Dano ao projeto de vida no contexto da edição gênica: uma possibilidade

Sumário: Introdução; 1. Potencialidades e limitações da técnica edição gênica; 2. Da regulamentação à implementação da técnica; 3. A responsabilidade civil diante dos riscos decorrentes da técnica de edição gênica; 4. A responsabilidade civil diante dos danos decorrentes da não utilização técnica de edição gênica; 5. Conclusão; 6. Referências

A manipulação de sequências do DNA de embriões humanos deixou de ser uma perspectiva e tornou-se realidade a partir do ano de 2015. Pesquisadores chineses, utilizando a técnica de edição gênica - CRISPR/Cas9 (clustered regularly interspaced short palindromic repeats), obtiveram sucesso quando corrigiram a mutação presente no gene HBB, cuja expressão determina a condição denominada beta-talassemia, causadora de anemia em sua forma grave (1).

Assim, de forma inédita, essa técnica, capaz de possibilitar a modulação específica de trechos do DNA humano, passou a representar ferramenta revolucionária no mapeamento de doenças graves, de caráter hereditário, na maioria das vezes incuráveis, gerando expectativa positiva no que se refere às medidas de prevenção e de criação de novas alternativas terapêuticas em humanos.

Em meados da década de 1990, a aplicabilidade da edição gênica restringia-se apenas à linhagem de células somáticas. Diferentemente da linhagem germinativa, a linhagem somática não tem o potencial de gerar gametas. Assim sendo, as modificações promovidas em seu material genético não se perpetuam nas futuras gerações, afetando apenas o indivíduo em si, jamais sua progênie. Diversamente, a edição gênica de células germinativas é capaz de impactar o organismo do indivíduo como um todo, bem como de seus descendentes, o que justifica o fato dessa técnica ser muito criticada, por diferentes razões, nas esferas biomédicas, bioéticas e/ou legais. Assim, a possibilidade de promover mudanças permanentes no DNA, com eventual impacto sobre as futuras gerações, tem sustentado intensos debates sobre o tema (2).

Nessa perspectiva, é inegável que o implemento da técnica, no momento, possa determinar riscos futuros e desconhecidos podendo, inclusive, gerar consequências no âmbito da responsabilidade civil (3). Em contrapartida, superadas as limitações da técnica, realidade que não se pode negar diante dos contínuos avanços biotecnológicos contemporâneos, e na persistência das indicações médicas, não permitir o emprego da técnica em condições seguras, ou optar por não utilizá-la em situações em que o diagnóstico pré-implantacional é exigido, não representaria também um dano passível de reparação?

É nesse contexto que emerge a necessidade de se discutir os prejuízos causados por modalidade singular de dano, caracterizado pela relevância jurídica, irreversibilidade, e por afetar a existência da pessoa o que implica em “não poder fazer”, ou em “dever agir de outro modo” - Dano ao Projeto de Vida (4).


1. Potencialidades e limitações da técnica edição gênica

A técnica CRISPR/Cas9, que funciona como um “editor de texto genético”, promove a correção ou exclusão de genes portadores de mutações relacionadas a doenças possibilitando, assim, desfazer ou silenciar os efeitos deletérios das mesmas. Essa ferramenta apresenta dispositivos de “reconhecimento” que possibilitam sua aderência às sequências específicas de nucleotídeos do DNA-alvo, e, também, dispositivos de “clivagem”, que permitem seccioná- los (5).

O processo de edição divide-se em etapas. A primeira está relacionada com o reconhecimento e a clivagem da molécula de DNA enquanto a segunda destina-se ao reparo da mesma. Uma vez seccionados os nucleotídeos, são acionados mecanismos celulares endógenos naturais de reparação do DNA. O processo de edição utiliza- se, então, desses recursos, para promover as modificações pretendidas. Assim, o reparo pode ocorrer por ligação de extremidades não homólogas (mecanismo útil quando se pretende silenciar a ação de genes) ou, também, ser dirigido por moldes. Nessa situação, é possível inserir nas células, juntamente com a ferramenta de edição, moldes de DNA externo. Assim, pode-se fornecer moldes externos, contendo genes selecionados, ao novo segmento de DNA a ser formado no local da clivagem.

A edição gênica, quando aplicada em pesquisas básicas, oferece grande vantagem, uma vez que gera conhecimento científico amplo que poderá contribuir para a saúde e bem estar dos seres humanos. Ela inclui esclarecimento dos mecanismos que justificam a diferenciação celular em modelos humanos, investigação do papel de alguns genes específicos nos momentos iniciais do desenvolvimento embrionário humano, compreensão da gênese de doenças genéticas propiciando o desenvolvimento de medicamentos específicos para essas doenças, desenvolvimento de terapias gênicas importantes no tratamento de diferentes tipos de câncer, dentre outros. Esses são apenas alguns exemplos das possíveis indicações das pesquisas básicas nesse âmbito. Assim, mesmo considerando a possibilidade dos objetivos clínicos da edição gênica não serem alcançados, a relevância das pesquisas básicas, nessa área, é indiscutível (6).

Com relação às pesquisas de aplicação clínica, é irrefutável a importância da edição gênica em embriões humanos na prevenção de doenças genéticas (6% das crianças recém- nascidas apresentam problemas genéticos importantes). Utilizando essa técnica, é possível identificar os genes responsáveis por essas condições, o que implicaria na esperança de tratamento preventivo para essas doenças.

O fato de tanto na técnica de fertilização “in vitro”, quanto na técnica de diagnóstico pré-implantação, ocorrer seleção prévia de embriões não afetados por doenças genéticas, faz com que muitos defendam que a edição gênica seria desnecessária. Entretanto, há uma série de situações em que a possibilidade de seleção de embriões viáveis é muito reduzida ou próxima de zero. São exemplos dessa limitação os casos em que há produção de apenas um embrião viável na fertilização “in vitro”, e, o mesmo, é portador de mutação monogênica; nas situações em que os pacientes são portadores de doenças genéticas autossômicas dominantes, apresentando duas cópias do gene com mutação; casos de doenças autossômicas recessivas, quando mesmo procedendo-se a seleção de embriões pela técnica de fertilização “in vitro” seguida de diagnóstico pré-implantação, não há como evitar a possível transmissão do gene com mutação para os descendentes do portador sadio (ambos os pais são portadores do gene com mutação). Na maioria desses casos, mesmo utilizando-se as técnicas de fertilização “in vitro” o diagnóstico pré-implantação, seria necessário produzir quantidade significativa de embriões para garantir possível seleção de embrião saudável o que, na maioria dos casos, é inviável. Ademais, isso não garantiria que tal embrião ficasse livre de ser portador da mutação podendo, assim, transmiti-la a seus descendentes (7).

A indicação clínica da edição incluiria, também, casos de doenças poligênicas, ou seja, em que vários genes apresentam mutações simultâneas, especialmente aqueles em que há interferência de diferentes fatores ambientais, o que reduz significativamente a chance de seleção de um embrião viável. Nessas situações, inúmeras mutações gênicas se associam para caracterizar uma só doença, como, por exemplo, as que ocorrem em diferentes tipos de câncer nos quais mais de duzentos diferentes genes estão envolvidos. Assim, a edição gênica nas pesquisas, em longo prazo, pode tornar-se importante ferramenta, já que a técnica tem o potencial de promover múltiplas alterações gênicas simultaneamente. É fato, entretanto, que isso dependerá do avanço dos estudos, para deixar de ser apenas uma expectativa. A gênese dessas doenças ainda não foi totalmente delineada, por isso há necessidade de se progredir com as investigações a fim de comprovar o possível potencial da técnica em reduzir sua incidência.

Até mesmo no âmbito das doenças infecciosas, a indicação clínica da edição gênica já é uma realidade. Alguns genes podem garantir aumento da resistência do indivíduo à infecção por diferentes patógenos. Nesse sentido, identificar tais genes para tentar ampliar seu efeito e aumentar a resistência a tais agentes, configuraria imunização efetiva (8).

Apesar da potencialidade da técnica de edição gênica, seu ineditismo ainda implica em alguns desafios a serem superados. Limites quanto à sua efetividade são comprovados quando da ocorrência do mosaicismo e das mutações fora do alvo (“off-target”) (9).

O embrião mosaico resulta de um corte ineficiente do DNA pela nuclease e/ou por reparação inapropriada do mesmo (10). Assim, mesmo após edição, irão coexistir diferentes tipos de células, ou seja, as originais sem mutação (normais); as originais com mutação e as devidamente editadas (sem mutação). Logo, indivíduos mosaicos apresentam diferentes genomas. Isso pode impactar negativamente quando se trata da linhagem germinativa pois, nesse caso, o mosaicismo, apesar de não determinar que o indivíduo seja afetado, não impede a transmissão dos genes com mutação para os descendentes. Entretanto, apesar do risco de ocorrência do mosaicismo, resultados promissores de estudos inéditos, realizados em animais de laboratório, utilizando método especializado de edição gênica (CRISPR/Cas9/sgRNA), já comprovaram aumento significativo na efetividade preventiva desse efeito indesejável (11).

Com relação às mutações fora do alvo, ou seja, não intencionais, técnicas recentes mais aprimoradas têm demonstrado eficiente capacidade de estimar o efeito mutagênico (ferramenta de bioinformática). Assim, uma vez realizada a edição e detectada a mutação, seria possível realizar a seleção do embrião pré-implantação. Dessa forma, não se estaria negando o risco de dano, mas evitando que esse dano torne-se moralmente significativo. Nesse sentido, outro aspecto também relevante, é o fato de que ao se efetuar a edição gênica- terapêutica, evitar-se-ia a produção de quantidades excessivas de embriões excedentários. É certo que, para reduzir os riscos de possíveis mutações fora do alvo, os pesquisadores têm-se dedicado ao aprimoramento tecnológico produzindo guias de RNA e endonucleases Cas9 mais específicas e com maior fidelidade. Esses avanços tecnológicos, com certeza, vêm contribuindo para maior segurança e acurácia da técnica de edição gênica. Efetivamente, o desenvolvimento de métodos que monitoram a ocorrência do mosaicismo e das mutações fora do alvo, e que definem a frequência de ocorrência das mesmas, no modelo humano, já constituem uma realidade (12) (13).

Considerando-se as que as medidas de segurança/precaução em relação ao mosaicismo e às mutações fora do alvo estão em efetivo progresso, não tem como supor que tais riscos se intensifiquem em longo prazo, a ponto de justificar a proibição da técnica de edição em embriões humanos. Com os avanços tecnológicos, os riscos serão certamente superados pelos benefícios potenciais da edição gênica para as gerações futuras. É inegável que toda pesquisa médica impõe riscos de danos previsíveis e imprevisíveis aos participantes, sendo esses rotineiramente considerados sob o ponto de vista ético. Nesse contexto, supor tolerância zero ao risco seria equivalente a impedir qualquer inovação clínica (14).

Tendo em vista que a técnica de edição gênica-CRISPR/Cas9 seja utilizada com a finalidade única de corrigir defeitos genéticos e restaurar a saúde em futuras crianças, é difícil visualizar como isso poderia refletir, de forma negativa, na dignidade humana. Assim, dependendo da doença genética que se pretende evitar, o benefício para o indivíduo é existencial, já que, nesses casos, as limitações são tão graves que podem comprometer a qualidade ou a própria vida (15).

2. Da regulamentação à implementação da técnica

Muito embora as tecnologias de edição gênica estejam produzindo avanços promissores na área das biociências, os estudos relacionados à sua aplicação clínica permanecem alvo de intensa preocupação no que diz respeito à sua utilização responsável e regulamentada. Ainda é necessário complementar os estudos relativos à avaliação dos riscos específicos para, só então, avançar de forma segura nos ensaios clínicos humanos. É inegável o importante papel da regulamentação na prevenção do uso indiscriminado e inadequado da técnica.

No entanto, contrariando essa lógica, vários ensaios clínicos, incluindo edição gênica de embriões humanos, foram realizados em países como a China onde ainda não existe regulamentação específica, causando intensa perplexidade no mundo científico devido ao desrespeito aos princípios éticos e critérios que pautam os protocolos de ensaios clínicos (16).

Em uma minoria de países, incluindo Reino Unido e Estados Unidos, estabeleceu-se, por meio de instituições científicas nacionais, importantes diretivas no sentido de delinear as principais questões éticas e de segurança biológica relativas à edição gênica (17) (18). Pesquisas realizadas, nessa perspectiva, demonstram tendência ao incentivo das pesquisas básicas e ressaltam a necessidade de medidas de cautela relativas às pesquisas clínicas, especialmente quando se trata de células da linhagem germinativa. Por sua vez, no que se refere à modificação gênica de embriões humanos, sua proibição, com finalidade reprodutiva, ainda é consensual, apesar de evidências de que a tecnologia de edição gênica, baseada na técnica CRISP/Cas9, é ferramenta possível com grande potencial quando aplicada à área médica. Entretanto, ela ainda carece de regulamentação clara e objetiva para que possa se desenvolver de forma segura possibilitando maior abrangência de sua aplicação no futuro (19).

Mesmo diante de tantos desafios, é inegável que a técnica de edição gênica (CRISP/Cas9) já representa tecnologia disruptiva, uma vez que rompe com padrões, até então considerados como referência, ao substituir modelos de tecnologias inovadoras complexas, dispendiosas e que demandam tempo prolongado, por uma técnica simples, eficaz, de baixo custo e rápida execução (20).

Isso, talvez, esteja contribuindo para impulsionar os cientistas no sentido de tornarem a técnica, cada vez mais, segura e eficaz, respeitando os limites éticos- legais impostos.

Seguramente, os mais importantes avanços biotecnológicos da Medicina, incluindo a técnica de hemodiálise, o transplante de órgãos sólidos, a técnica de reprodução humana assistida, a clonagem de animais, o mapeamento do genoma humano, as pesquisas com células tronco, dentre outros, trilharam essa mesma trajetória de enfrentamentos e desafios - éticos, legais, técnicos - até se aprimorarem a ponto de serem reconhecidos como opções terapêuticas viáveis.


3. A responsabilidade civil diante dos riscos decorrentes da técnica de edição gênica

No campo da biotecnologia, não é rara a discussão em torno dos riscos potenciais ou, até mesmo, incertos quando se trata de ineditismo tecnológico como é o caso da técnica de edição gênica - CRISPR/Cas9. Desse modo, é essencial que, nessas situações, a discussão sobre a previsibilidade e causalidade dos riscos seja aprofundada, pois, apesar de imperceptíveis de imediato, podem representar ameaça latente caracterizando riscos desconhecidos ou de “causa ignota”.

Nas situações envolvendo riscos desconhecidos há consenso firmado no sentido do não cabimento da responsabilidade subjetiva, pois a previsibilidade do fato danoso é considerada requisito da culpa e a informação sobre o provável risco de dano não está disponível. Assim, nesse contexto, a responsabilização por culpa somente poderia ser aventada caso o princípio da precaução não fosse respeitado, como ocorre nas situações de inadequação dos deveres de cuidado, proteção e informação, conforme o “estado da arte”.

Em contrapartida, de acordo com a teoria objetiva, a responsabilização por danos causados por riscos desconhecidos pode ocorrer quando os mesmos estão relacionados à causalidade incerta, o que repercute na distribuição do ônus da prova. Considerado sob o ponto de vista pragmático, em que todo risco de dano gerado é convertido em fator de imputação objetiva, é essencial conhecer o potencial de risco da atividade. Esse, sem dúvida, é o maior desafio (21).

Portanto, para análise da responsabilidade civil no contexto da edição gênica em que o principal enfrentamento é a possibilidade de ocorrência de riscos desconhecidos, faz-se necessária a ponderação entre as linhas gerais estabelecidas pelo legislador e a atualização da norma construída com base na doutrina e jurisprudência. Em estudos recentes (22), as hipóteses de responsabilidade civil por riscos desconhecidos, no contexto da edição gênica, foram delineadas, salientando-se a importância da análise do tema tanto no Brasil, quanto no Direito comparado (“liability for unknow risks”). Nessa circunstância, destacou-se a importância da teoria da imputação objetiva, a discussão das teorias do risco, as peculiaridades em torno da análise da causalidade, bem como a polêmica discussão relativa à aceitação do risco desconhecido como causa excludente de responsabilidade (visão no Brasil, e de acordo com a Diretiva Europeia 85/374) (23).

Entretanto, nesse momento, a discussão vai além. Uma nova perspectiva de análise se impõe, visto que não há como negar os enfrentamentos futuros previsíveis a partir da superação dos desafios técnicos e da determinação dos limites precisos, tanto éticos quanto legais, para que a edição gênica represente, de fato, opção terapêutica viável.


4. A responsabilidade civil diante dos danos decorrentes da não utilização técnica de edição gênica

Em novo cenário, ainda hipotético, porém irrefutável, em que a edição gênica em seu viés terapêutico (indicação médica) passe a representar possibilidade viável e segura, negar, proibir ou não oferecer essa oportunidade, configuraria, de forma explícita, a negação de um direito constitucionalmente elencado – “proteção à pessoa.”

Nasce, a partir daí outra discussão: estaríamos diante de nova modalidade de dano? Qual seria sua gravidade e extensão? Dada sua irreversibilidade e magnitude, estaríamos diante de dano à existência do ser humano?

Em algumas situações, objetar a utilização da técnica de edição gênica representaria, efetivamente, realizar uma escolha diante da vida do outro inviabilizando que, o mesmo, seja protagonista de sua própria existência, comprometendo sua liberdade e expectativas futuras. Nessa perspectiva, a lesão provocada atingiria os ideais que permitem a realização da pessoa enquanto ser humano (sua autorrealização) (24) impactando, assim, na não efetivação de seu “projeto de vida” (25).

Nada obstante, não cogitamos apenas da autorrealização de um ser que se encontra no porvir. Negar, proibir ou não oferecer a edição gênica é um comportamento que vulnera este componente fundamental para sentirmos que a vida vale a pena. Mas não se trata apenas disto. O termo “transcendência” sugere a existência de um desejo de auxiliar as outras pessoas a alcançarem o seu potencial. Trata-se de uma lealdade a uma causa além de nós mesmos, impelindo-nos a identificar propósitos externos ao “self”, permitindo que outras pessoas mantenham o valor da existência (26).

Em uma dimensão constitucional, o direito fundamental à liberdade (autorrealização) confere a cada ser humano um modus vivendi e peculiar estilo de vida, porém o direito fundamental à solidariedade abre espaço à transcendência, conceito que se torna ainda mais palpável quando o “outro” não se resume à “coletividade” ou às “próximas gerações”, mas à própria descendência.


4.1 Proteção à pessoa e a relação com o conceito de dano existencial

A partir da certificação da crescente necessidade de tutelar situações que causam prejuízos que vão além da lesão psicofísica do indivíduo e extrapolam os direitos da personalidade de natureza não patrimonial, torna-se imprescindível discutir sobre ampliação da noção de dano, principalmente sob o ponto de vista funcional. Para as doutrinas que justificam tal necessidade, o principal argumento seria a dissonância de modalidade capaz de suprir o direito de danos causados à pessoa no que tange aos demais valores fundamentais da vida humana.

Nesse aspecto, é indispensável elencar quais são os critérios que definem o interesse existencial merecedor de tutela evitando-se, desse modo, a utilização indiscriminada do dano existencial que pode comprometer seu efetivo reconhecimento e valorização. Não se trata de englobar, no contexto do dano existencial, qualquer alteração prejudicial no cotidiano da pessoa, tampouco uma modificação que não seja juridicamente relevante. Tal dano, deverá ser quantitativa e qualitativamente relevante, pelo prisma jurídico, já que atingiria a pessoa na sua dignidade comprometendo, de forma significativa, sua integridade. Justifica-se, portanto, a necessária demonstração de como o conceito de dano existencial poderia ser aplicado no caso concreto, especificamente a partir do recorte epistemológico proposto neste estudo.

Discussões preliminares reconhecendo a maior necessidade de proteção à pessoa em suas atividades realizadoras (27) foram influenciadas tanto pela construção jurídica italiana (28) quanto por precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos (29). Assim, de forma inédita, aventou-se tratar o dano à pessoa como categoria aperfeiçoada da responsabilidade civil, ou seja, espécie do gênero dano imaterial. Sacramentou-se, nesse contexto, a modalidade autônoma de dano existencial que abrangeria toda alteração prejudicial e juridicamente relevante à existência da pessoa lesada. A partir desse momento, o enfrentamento no sentido de se ampliar a proteção concedida aos valores existenciais da pessoa se intensifica.

Nesse cenário, a proteção à pessoa não se restringe unicamente àqueles direitos das pessoas previstos expressa ou explicitamente na Constituição e Código Civil (30). A partir desse enfoque, torna-se mais robusta a ideia de que qualquer lesão à pessoa deverá ser tutelada (31). Além disso, foram definidos como elementos constitutivos do dano existencial, o dano ao projeto de vida (32) (33) e o dano à vida em relações (34).

Consequentemente, estabeleceu-se a definição de dano causado à existência da pessoa como sendo aquele capaz de gerar afetação negativa e juridicamente relevante no cotidiano da mesma, causando modificação prejudicial, total ou parcial, permanente ou temporária de suas atividades realizadoras, inclusive representando uma renúncia involuntária à situação de normalidade. Destaca-se que essas atividades realizadoras incluiriam, inclusive, aquelas relacionadas ao atendimento das necessidades básicas como alimentação, higiene pessoal e educação mínima. Essas situações, de perda da capacidade de realização de atos simples, privação objetiva de realizar atividades normais e cotidianas, são ainda mais facilmente evidenciadas diante do comprometimento da integridade física da pessoa (35).

Assim, a frustração gerada nas expectativas do indivíduo quanto ao seu próprio desenvolvimento enquanto pessoa, representaria dano de gravidade e extensão incomparáveis às lesões provocadas pelas demais modalidades de danos. De forma mais destrutiva, esses danos teriam potencial lesivo de gerar um vazio existencial, repercutindo na liberdade, ainda que abstrata, que cada um possui de escolher seu próprio destino e de projetar sua vida, o que resultaria no esvaziamento da perspectiva de um presente e futuro minimamente gratificantes. Além disso, não afetaria somente a esfera de sofrimento interior da pessoa, sendo exteriorizado pela dor causada à impossibilidade de realização de atividades hedonistas. As consequências do dano existencial extrapolariam, portanto, as modificações provocadas no modo da pessoa projetar-se no mundo atingindo, também, a relação com as demais pessoas (36).

Salienta-se, ainda, que dependendo do caso concreto, ao se obstaculizar prática de atos de suma importância para autorrealização pessoal, o dano existencial pode transformar as singularidades do cotidiano em verdadeiros desafios, momentos de angústia, tensão e profunda dificuldade. Seguindo esse raciocínio, o dano ao projeto de vida consistiria em vertente do dano    existencial relacionado ao impedimento prático de se realizar atos imprescindíveis à execução de metas e aspirações pessoais capazes de dar sentido à existência (37).

Para além dessa análise, deve-se considerar, ainda, que o dano existencial apresenta aspecto de “potencialidade” relativo às atividades que a pessoa seria capaz de realizar caso não houvesse sofrido o dano. É, portanto, nesse sentido, que a responsabilidade civil por dano existencial se justificaria na modalidade dano por um projeto de vida frustrado, em que a extensão do prejuízo se daria em relação ao que não se pode mais obter (38).

Outra peculiaridade do dano existencial é o fato de, apesar de provocado em determinado momento da vida do indivíduo, ter seu potencial danoso protraído ao longo de toda a vida da vítima, impedindo-a de se autorrealizar. Em razão disso, aqueles que defendem essa teoria são unânimes em relacionar o dano existencial ao desfazimento de uma perspectiva projetada (fracasso na busca pela realização do projeto de vida) em que são consideradas as perdas ulteriores, atemporais, e que trazem em si um valor essencialmente existencial. Entende-se, ainda, que a ruptura dessa busca, capaz de dar sentido à vida de cada um, quando ocorre por fatores alheios à vontade do indivíduo (injustiça, discriminação, violência) deve ser considerada como particularmente grave (39).

Apesar dessa nova modalidade de dano ainda não ser sustentada de forma consistente pela doutrina brasileira, há evidências de sua aplicação na jurisprudência nacional (40), tendo sido denominada, por vezes, como dano existencial, outras sob a denominação dano ao projeto de vida, ou ainda, de forma contestável, como sinônimo de dano moral.

O dano existencial não era expressamente identificado no ordenamento jurídico brasileiro, até que a Lei n. 13.467/2017 incluiu na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o dispositivo 223-B no Título II-A (“Do Dano Extrapatrimonial”), corretamente autonomizando as figuras do dano moral e existencial como espécies do gênero “dano extrapatrimonial” (41). Uma vez comprovadas as evidências de sua aplicabilidade, por meio da análise das jurisprudências, e, estando presentes os indícios de lesão causada à pessoa, não há como negar o devido ressarcimento mesmo que, para tal, seja necessária a criação de nova categoria de proteção de danos à pessoa mediante reforma do Código Civil, tal como preconizado na CLT. Afinal, não obstante a elogiável tendência ao reconhecimento da multifuncionalidade da responsabilidade civil, há sólido consenso social no sentido de que a principal função da responsabilidade extranegocial continua sendo a reparação de danos, amparada no princípio da reparação integral (42).


4.2 Da verificação do dano ao projeto de vida no contexto da edição gênica

Na eventualidade da técnica de edição gênica tornar-se opção terapêutica viável, situação ainda hipotética, entretanto inegável, há de se questionar os efeitos danosos da não utilização da mesma, principalmente nos casos de doenças geneticamente determinadas, incuráveis e que limitam a autonomia do indivíduo chegando a comprometer, até mesmo, sua dignidade. Seria possível cogitar de um dano intergeracional? A omissão deliberada ao recurso da edição gênica afigura uma ofensa mediada no tempo, pois o que nos faz humanos atravessa gerações e culmina por agir como uma ponte entre elas.

Nesse contexto, não será difícil vislumbrar que, somente por meio da modificação gênica, haveria possibilidade de se evitar danos de magnitude significativa, com consequências permanentes e limitadoras da capacidade do sujeito de vivenciar suas próprias escolhas, comprometendo seu destino, submetendo-o a renúncias diárias e aprisionando-o em um vazio existencial.

Nessa conjuntura, questiona-se sobre a viabilidade de ocorrência do dano ao projeto de vida no contexto da edição gênica. Em outros termos, uma vez diagnosticada a alteração gênica, sendo ela passível de correção pelo método da edição, não a realizar, implicará em dano que sabidamente vai repercutir na vida desse indivíduo de forma significativa, decisiva, prolongada e, frequentemente, permanente.

Contudo, para que seja possível visualizar tais hipóteses de cabimento, faz-se necessário delinear algumas situações:

4.2.1 .Situação em que a técnica é reconhecida cientificamente, mas encontra-se indisponível por não possuir amparo legal

Mesmo supondo que, do ponto de vista científico, a edição gênica tenha alcançado aprimoramento suficiente ao ponto de ser reconhecida como opção terapêutica, deve-se considerar que sua aceitação e amparo legal irão depender dos contextos específicos de cada país. Os aspectos socioculturais, bem como o desenvolvimento econômico, podem influenciar nesse processo. Na inexistência de amparo legal, a oportunidade de realizar o procedimento de edição gênica torna-se inviável, restando o enfrentamento dos danos decorrentes desse constrangimento.

Nessa situação, outra questão importante deverá ser destacada. Não existindo a opção de se realizar a técnica em seu país de origem e impulsionados pela pretensão de evitar os danos decorrentes das condições genéticas diagnosticadas no embrião, os genitores lançam mão das práticas de turismo médico. Tendo em vista que as políticas divergem entre países, cujas regulamentações podem ser mais permissivas ou restritivas, as pessoas deslocam-se de seu local de origem, motivadas pela busca dos serviços de saúde que disponibilizam o tratamento, sem ao menos se preocuparem com os casos de mercados pouco regulados ou, até mesmo, ilegais. Assim, mais um desafio se impõe.

4.2.2. Situação em que a técnica está disponível, mas com acesso limitado

É inegável que, quando implementadas clinicamente, essas técnicas, certamente, irão representar custo elevado o que pode, inclusive, dificultar sua oferta via planos de saúde. Mesmo que a edição gênica, por si, não seja técnica dispendiosa, para sua implementação clínica é necessário associá-la às técnicas de reprodução assistida, fertilização “in vitro” e diagnóstico pré-implantação que, sabidamente, são onerosas.

Assim, inevitavelmente, esse fato poderia limitar o acesso de alguns grupos sociais à tecnologia criando-se, desta forma, desigualdade de oportunidades. Nessa condição, não seria uma escolha dos pais a não utilização da técnica. Ao contrário, essa escolha se daria por falta de recursos financeiros, implicando na impossibilidade de evitar os danos decorrentes da alteração gênica diagnosticada no embrião.

Em uma discussão que transcende os limites deste artigo, é evidente que a chamada convergência NBIC – nanotecnologia, biotecnologia, informática e ciência do conhecimento (neurociências) – estreita os limites entre a vida natural e a artificial, dissolve as fronteiras entres as ciências físicas e a biologia, implicando em um melhoramento (enhancement) do ser humano. Com base no postulado “nem tudo que é tecnicamente possível é eticamente admissível”, o maior receio dentre os estudiosos do fenômeno do transhumanismo, consiste no acesso estrito por parte de uma casta de “novos” seres humanos a tecnologias que propiciem longevidade ampliada com capacidades físicas e mentais superiores (43). O fundamental é que se edifiquem políticas públicas que direcionem a tecnologia CRISPR/Cas9 a serviço do homem – como instrumento de mapeamento de graves patologias hereditárias e não subvertida em técnica eugênica utilitária -, sobremaneira no contexto de uma sociedade extremamente desigual, onde a questão do acesso é estruturalmente delicada até mesmo para os bens essenciais (educação, saúde básica, assistência social, moradia).

4.2.3. Situação em que a técnica está disponível, mas não foi utilizada em função de falha no diagnóstico

Nesses casos, a falha ao se diagnosticar as alterações genéticas é de responsabilidade do médico ou laboratório a quem cabe, respectivamente, o diagnóstico e a realização dos exames. Essa falha, que pode ser por negligência ou até mesmo omissão, é que justifica o não emprego da técnica de edição gênica.

Além da possibilidade de dano ao embrião, pela perda da chance de ter as alterações genéticas corrigidas verifica-se, também, o dano causado aos genitores que tem cerceado o direito de tomar a decisão livre e esclarecida com relação a continuidade ou não da gestação (interrupção conforme previsão do ordenamento jurídico) (44).

Em ambas situações se tornam evidentes os critérios que caracterizam dano ao projeto de vida e, no qual, se incluem a irreversibilidade, a gravidade, o cerceamento das expectativas de desenvolvimento pessoal e, até mesmo, a resignação com o próprio destino.

4.2.4. Situação em que a técnica está disponível, mas não se optou pela sua realização

Considerando-se a realidade reprodutiva de futuros genitores com alto risco de terem filhos afetados por sérias doenças genéticas, pode-se dizer que com a técnica de edição gênica constitui mais uma alternativa reprodutiva estendendo as opções e, assim, garantindo maior autonomia reprodutiva aos mesmos.

Entretanto, exatamente por se tratar de uma alternativa, nem sempre a edição gênica será a opção escolhida. Nessa perspectiva, deve-se considerar a importante influência que os aspectos culturais, intelectuais e religiosos influenciam na capacidade decisória dos genitores, já que interferem, diretamente, na questão do entendimento e aceitação da indicação clínica da técnica.

Destaca-se que, nas situações relacionadas com técnicas de reprodução humana assistida, em que o diagnóstico pré-implantatório é essencial para se garantir a eficácia do procedimento, o diagnóstico da eventual alteração genética é habitual. Ocorre que, especificamente nessas situações, mesmo sendo possível o diagnóstico prévio das alterações, os genitores, respaldados pela autonomia reprodutiva, podem decidir por assumir o nascimento sem a realização da edição gênica. Nesse caso, estariam optando por não fazer uso da terapêutica disponível, apesar do diagnóstico comprovando a indicação da edição gênica. Situação diferente, seria a de uma gestação natural em que tais investigações ocorrem, somente, em face de eventuais suspeitas fundamentadas o que diminui, consideravelmente, a probabilidade do diagnóstico e, portanto, a opção de corrigir as possíveis alterações detectadas.

Apesar da inquestionável relevância do dano ao embrião, em ambas situações, é notória a diferença entre a responsabilidade pelo dano quando se opta por não realizar a edição apesar do diagnóstico prévio. Nesses casos, a ocorrência do dano está intrinsecamente relacionada à decisão dos genitores, que ao desconsiderarem as possíveis consequências do dano, limitam as possibilidades desse futuro Ser de exercer suas liberdades de escolha diante da vida.

Na eventualidade de a única opção ser fazer uma escolha, evitar a causação de sofrimentos extremos é um compromisso ético perante a comunidade. Dentro do pluralismo admite-se a experiência da alteridade e formas de vida distintas, mas não infinitamente variáveis: tanto a liberdade quanto a igualdade estão entre os valores mais perseguidos pelos seres humanos. Porém, como frisa Isaiah Berlin, a liberdade total para os lobos significa a morte das ovelhas; a liberdade total do poderoso não é compatível com os direitos a uma existência decente para os menos dotados (45) (46).

Não se trata de questionar, aqui, o argumento de que ninguém pode reclamar judicialmente por ter sido prejudicado, simplesmente por haver nascido. Importante salientar que o enfoque da edição gênica não se assemelha com o acontecido há alguns anos em França

- seja no famoso affaire Perruche, como em outras situações em que médicos foram processados por detectarem deficiências físicas ou mentais em fetos, impedindo que mães optassem pelo aborto. Lá se discutiu sobre a perda de uma chance de mães evitarem vidas com intenso sofrimento (uma causalidade duvidosa, que poderia suscitar o estímulo a praticas eugênicas se as demandas fossem vitoriosas). Na edição gênica, em contrapartida, o ponto fulcral é a eventual responsabilidade civil por ato ilícito no qual a vítima não será um nascituro, ou sequer um pré-embrião, porém um concepturo, ou seja, aquele que ainda está para ser concebido, uma “expectativa do devir”, encontrando-se no campo das incertezas. O concepturo não habita o campo da existência e quanto a ele só há referência na sucessão testamentária (art. 1799, I, CC), na condição de filho ainda não concebido de pessoa indicada pelo testador. A famosa “prole eventual”, que pode vir a existir no futuro (47).

O concepturo não é pessoa, nem se enquadra na ideia intermediária de uma potencialidade de vida a que se defere especial proteção (o embrião excedentário crioconservado). Na sucessão testamentária, o concepturo surge como uma construção legal, o que explica que a sua tutela jurídica seja meramente patrimonial e pontual. Mas qual será a justificativa jurídica para se romper essa barreira legislativa, a ponto de respaldar a pretensão ao dano existencial em face do concepturo? Decerto, com base em um direito eventual à vida e à proteção integral. Enquanto o nascimento com vida é a condição suspensiva que determinará o recebimento da herança, a concepção intrauterina será o evento futuro e certo que demarcará o momento em que surge a pessoa e a respectiva tutela a sua personalidade, mesmo que o ilícito tenha sido praticado em momento anterior à nidação do embrião no útero materno e que os danos só sejam efetivamente constatados após o nascimento (48).

Pode-se mesmo elaborar um raciocínio às avessas, com forte pragmatismo. O de cujus não titulariza direitos da personalidade, mas os seus atributos existenciais jamais fenecem como coisa de ninguém, pois transcendem o momento da morte. A “memória do morto” é passível de proteção bifronte– inibitória e reparatória -, por parte de seus familiares, em nome próprio, por ilícitos praticados contra a honra, imagem e nome da pessoa já falecida. Pois bem: esse raciocínio também se aplicaria a aurora da vida. O concepturo é pura hipótese de ser, ainda não é sujeito de direitos, mas o ilícito que repercute imediatamente sobre ele, transcende o estágio anterior à fecundação, alcançando a sua vida e existência (49).

Assim, nada impede que filhos processem genitores por comportamentos de risco associados a infecções como o HIV, ou ao uso excessivo de álcool - v.g. Síndrome Alcoólica Fetal - cujos efeitos danosos serão identificados posteriormente, ainda na fase de gravidez. Indo além, poderá ainda compreender danos decorrentes de transmissão de moléstias genéticas previamente conhecidas pelos pais. Não se trata de responsabilizá-los por gerarem filhos deficientes, porém, pela prática de atos ilícitos, entendendo-se que uma função preventiva da responsabilidade civil requer que o dever fundamental do cuidado seja elastecido para justificar a tutela do concepturo (50).

Independente de qualquer celeuma sobre o marco inicial da aquisição de direitos da personalidade, o direito fundamental à vida deve ser materializado para compreender uma vida digna e plena conforme o contexto histórico de cada sociedade, inserindo-se aí a lex artis, ou seja, o conjunto de práticas médicas geralmente aceitas como adequadas para tratamento, que oscilam conforme o progresso técnico da medicina.

Nesse contexto, torna-se ainda mais relevante a análise da escolha que os genitores impõem, ao não optarem pela edição gênica, cujas consequências têm o potencial de gerar vida de autonomia cerceada restringindo a existência do outro, na medida em que deixa de prevenir dano capaz de impedir ou modificar todo um projeto de vida.

5. Conclusão

Na notória obra “A Sociedade Aberta e os seus Inimigos” (1945) - em um exame histórico que se inicia na Grécia e vai até o século XX- , Karl Popper aborda a passagem da sociedade fechada para a aberta, tendo como resultado o desenvolvimento prodigioso das ciências, criatividade humana e da técnica, bem como, a irrupção do indivíduo singular e os fundamentos da cultura da liberdade. O nascimento do espírito crítico rompe os muros da sociedade fechada e expõe o homem à responsabilidade individual. O medo da mudança, do desconhecido, faz com que a sociedade fechada se retroalimente. Porém, a vida é criação permanente. A evolução do conhecimento científico não pode ser prevista por métodos racionais, sendo impossível antecipar o decurso futuro de uma história que será determinada por achados e invenções técnicas que não podemos antecipar. Em seu método reformista de “engenharia gradual” (piecemeal approach), o filósofo austríaco se coloca contra qualquer determinismo histórico ou planificação e defende a livre concorrência de ideias e a transformação gradual e consensual da sociedade, mediante o aperfeiçoamento constante das instituições, sempre expostas à crítica e fiscalização. Em uma sociedade aberta, a liberdade coloca nos ombros do ser humano uma carga pesada: decidir por si mesmo o que lhe convém e o que lhe prejudica. A cultura da liberdade acarreta o fardo da responsabilidade individual (51).

Portanto, como todos os outros progressos da ciência, vê-se com otimismo a edição gênica (CRISPR/Cas9). Ela é considerada um dos maiores avanços da medicina na era moderna. Mediante manipulação do DNA humano, a técnica proporciona uma gama imensa de possibilidades que vão desde indicações preventivas até terapêuticas constituindo, por isso, ferramenta revolucionária no mapeamento de doenças graves, de caráter hereditário e frequentemente incuráveis. Sua contribuição para a compreensão da gênese das doenças genéticas e do desenvolvimento embrionário humano é inquestionável.

Entretanto, como em todo avanço biotecnológico, ainda restam muitos desafios técnicos, éticos e legais a serem enfrentados. Em um necessário ambiente de ceticismo e fundamental condição de incerteza temos que defender para a edição gênica um conjunto de regras, deveres e formas de reparação. Reforça-se, pois, a necessidade de contínuos diálogos interdisciplinares, imprescindíveis no sentido de se ponderar, delinear e estabelecer novos paradigmas objetivando promover as adequações pertinentes. Apesar das limitações impostas no momento atual, não há como negar a perspectiva de superação futura desses desafios, o que certamente determinará a indicação preventiva e/ou terapêutica, segura e viável da técnica.

É nesse contexto, consequentemente, que se impõem novos embates. Toda solução produz uma nova situação que gera suas próprias novas necessidades e novas demandas, sempre imprevisíveis. Não podemos legislar para as consequências desconhecidas das consequências de outras consequências. Todavia, os riscos morais e jurídicos não podem ser evitados e, diante dessa nova realidade da edição gênica, e em face de diagnóstico que justifique sua indicação, não utilizar a técnica poderia representar a certeza de dano juridicamente relevante, irreversível, permanente e com potencial de limitar a liberdade de escolha desse futuro Ser, submetendo-o à renúncias diárias – dano existencial.

Assim, perante um dano existencial, que objetivamente implicará em uma modificação prejudicial relevante na vida de uma pessoa, e impactará tanto na violação permanente ao projeto de vida, como em prejuízo expressivo nas relações com as demais pessoas, justifica-se a demanda pela inclusão dessa modalidade de dano que tenha, como principal escopo, a ampliação da proteção à pessoa. Visto que ao Direito deve interessar a prevenção dos eventuais danos causados à pessoa, bem como a coibição das lesões eventualmente geradas, a agregação do dano existencial como categoria autônoma, entre as modalidades de danos extrapatrimoniais a serem consideradas na proteção à pessoa, é imperiosa.


(1) LIANG, P.; XU, Y.; ZHANG, X.; DING, C.; HUANG. R., et al.: “CRISPR/Cas9-mediated gene editing in human tripronuclear zygotes”, Protein Cell, vol. 6, n. 5, p. 363-372, 2015.

(2) CLEMENTE, G. T. Manipulação gênica em embriões humanos. Actualidad Jurídica Iberoamericana, v. 9, p. 202-223, Ago. 2018.

(3) CLEMENTE, G. T. Responsabilidade Civil, Edição Gênica e o CRISPR. In: ROSENVALD, N.; DRESCH, R. F. V.; WESENDONCK, T. (Org.). Responsabilidade Civil - Novos Riscos. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2019. p. 301-317.

(4) SESSAREGO, C.F. Derecho a la identidad personal. Buenos Aires: Astrea, 1992. p. 261-262.

(5) CRISPR/Cas9 - Trata-se de complexo formado por enzima do tipo endonuclease (Cas9) guiada até a região específica da molécula de DNA (gene marcado) que se pretende editar, por meio de uma molécula de gRNA, programada para reconhecer a sequência específica do DNA. Assim, procede-se à substituição do fragmento de DNA, que possui a mutação, por sequência normal possibilitando a correção da desordem. A molécula de gRNA pode ser personalizada para reconhecer sequências específicas do DNA por meio de alteração de apenas 20 nucleotídeos. Dessa forma, genes específicos podem ser alvo do gRNA e, consequentemente, da Cas 9, o que propicia modificações precisas dos mesmos. REYES, A.; LANNER, F., Towards a CRISPR view of early human development: applications, limitations and ethical concerns of genome editing human embryos, The Company of Biologists, n. 144, p. 3-7, 2017.

(6) GYNGELL, C.; FELLOW, M.; DOUGLAS, T.; SAVULESCU, J. The ethics of germline gene editing. J Appl Philos., n. 34(4), p. 498-513, 2017.

(7) CAVALIERI, G. Genome editing and assisted reproduction: curing embryos, society or prospective parents? Medicine, Health Care and Philosophy, p. 1-11, 2017.

(8) XU, L.; YANG, H.; GAO, Y., et al. CRISPR/Cas9 – mediated CCR5 ablation in human hematopoietic steam/progenitor cells confers HIV-1 resistence in vivo. American Society of Gene & Cell Therapy, v. 25, n. 8, 2017.

(9) Mutações off-target seriam aquelas não intencionais, que podem ocorrer no genoma em decorrência da ação não específica da enzima Cas9. Dessa forma, além do efeito pretendido, pode-se provocar também a mutação de algum outro gene de forma não esperada ou indesejada – BOEL, A.; STEYAERT, W.; DE ROCKER, N., et al. BATCH-GE: batch analysis of next generation sequencing data for genoma editing assessment. Sci Rep., n. 6, p. 30330, 2016.

(10) “O mosaicismo é a presença em um indivíduo ou em um tecido de ao menos duas linhagens celulares geneticamente diferentes, porém derivadas de um único zigoto. As mutações que acontecem  em  uma única célula após a concepção, como na vida pós-natal, podem originar clones celulares geneticamente diferentes do zigoto original porque, devido à natureza da replicação do DNA, a mutação irá permanecer em todos os descendentes clonais dessa célula.” THOMPSON & THOMPSON. Genética Médica: Padrões de herança monogênica. Rio de Janeiro: Elsevier, p.107-132, 2016.

(11) HASHIMOTO, M.; YAMASHITA, Y.; TAKEMOTO, T. Eletroporation of Cas9 protein/sgRNA into early pronuclear zygotes generates non-mosaic mutants in the mouse. Dev Biol., n. 418, p. 1-9, 2016.

(12) KLEINSTIVER, B.; PATTANAYAK, M.; TSAI, S., et al. High fidelity CRISPR-Cas9 - nucleases with no detectable genome-wide off-target effects.  Nature, n. 529, p.490-495, 2016.

(13) SLAYMAKER, I.; GAO, L.; SCOTT, D., et al. Rationally engeneered Cas9 nucleases with improved specificity. Science, n. 351, p. 84-88, 2015.

(14) DE WERT, G.; HEINDRYCKX, B.; PENNINGS, G., et al. Responsible innovation in human germline gene editing: Background document to the recommendations of ESHG and ESHRE. European Society of Human Genetics, 2018.

(15) GYNGELL, C.; FELLOW, M.; DOUGLAS, T.; SAVULESCU, J. The ethics of germline gene editing. J Appl Philos., n. 34(4), p. 498-513, 2017.

(16)  CYRANOSKI, D.; LEDFORD, H. Genome-edited baby claim provokes international outery. Nature, n. 563, p. 607-608, 2018.

(17) Human genome editing: science, ethics, and governance. National Academies of Sciences, Engineering and Medicine. Washington D: Academies Press, 2017.

(18) Genoma editing and Human reproduction: social and ethical issues. Nuffield Council on Bioethics, 2018.

(19) GOUSI, L.; YAO-GUANG, L.; YAANLING, C. Genome-editing Technologies: the gap between application and policy. Sci China Life, v. 62, p. 1-5, 2019.

(20) MULVIHILL, J.J.; CAPPS, B.; JOLY, Y.; LYSAGHT, T., et al. Ethical issues of CRISPR technology and gene editing trough the lens of solidarity. British Medical Bulletin, v.122, n.1, p. 17-29, 2017.

(21) “Já na perspectiva da law and economics, esse é um tópico desafiador por envolver uma falta de informação sobre os riscos envolvidos. A análise econômica do direito foca nos incentivos que a responsabilidade civil pode prover para conduzir os atores envolvidos a adoção de melhores práticas e decisões sobre o nível de cuidados e de atividade, em ordem a alcançar uma desejável distribuição de riscos. Nesse trade-off entre o estímulo à técnica e a tutela da integridade psicofísica, o que se questiona é se ao invés da responsabilidade civil, não seria melhor que houvesse uma regulação pública capaz de lidar melhor com as externalidades negativas, tal como já ocorre com os seguros obrigatórios para acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.” ROSENVALD, N. – O Direito Civil em movimento – 3ª ed., Salvador: Juspodivm, 2019, p. 206.

(22) CLEMENTE, G. T. Responsabilidade Civil, Edição Gênica e o CRISPR. In: ROSENVALD, N.; DRESCH, R. F. V.; WESENDONCK, T. (Org.). Responsabilidade Civil - Novos Riscos. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2019. p. 301-317.

(23) “Na Diretiva 85/374 o risco do desenvolvimento é resumido nos seguintes pontos: (a) funda-se na responsabilidade civil objetiva; (b) consagra o risco do desenvolvimento como causa excludente da responsabilidade civil; (c) para ser admitida essa excludente, o produtor tem o ônus de provar que, no momento da colocação do produto no mercado, não era possível detectar a existência do defeito; (d) a legislação interna de cada Estado-membro pode ou não incorporar a excludente do risco do desenvolvimento (Development Risks Defence – DRD). A excludente é adotada por países como França, Itália e Espanha; (e) o critério temporal para aferição do estado da ciência e da técnica ou estado da arte é o da colocação do produto no mercado e não o da verificação do dano.” ROSENVALD, N. – O Direito Civil em movimento – 3ª ed., Salvador: Juspodivm, 2019, p. 206.

(24) "A autorrealização é todo um lento e complexo processo de despertamento, desenvolvimento e amadurecimento psicológicos de todas as adormecidas potencialidades íntimas, que estão latentes  no  ser humano, como suas experiências e realizações ético-morais, estéticas, religiosas, artísticas e culturais. Equivale esclarecer que é todo um esforço bem direcionado para a realização do Eu profundo e não da superficialidade das paixões do ego”. FRANCO, D.P. O despertar do espírito: obra ditada pelo espírito de Joanna de Ângelis. 5. ed. Salvador: LEAL, 2003.

(25) “O que caracteriza a existência individual é o ser que se escolhe a si-mesmo com autenticidade, construindo assim o seu destino, num processo dinâmico de vir-a-ser. O indivíduo é um ser consciente, capaz de fazer escolhas livres e intencionais, isto é, escolhas das quais resulta o sentido da sua existência. Ele faz-se a si próprio escolhendo-se e é uma combinação de realidades/capacidades e possibilidades/potencialidades, está em aberto, ou melhor, está em projeto. Esta é a maneira como ele escolhe estar-no-mundo, o que se permite ser através da sua liberdade.” TEIXEIRA, J. A. C. Introdução à psicoterapia existencial. Análise Psicológica, Lisboa, v. 24, n. 3, p. 294, jul. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aps/v24n3/v24n3a03.pdf>. Acesso em: 26 dez. 2019.

(26) GAWANDE, A. Mortais, Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.

(27) O dano existencial acarreta um sacrifício nas atividades realizadoras da pessoa, ocasionando uma mudança na relação da pessoa com o que a circunda. É uma “renúncia forçada às ocasiões felizes”, como dizem Cendon e Ziviz, ou, pelo menos, à situação de normalidade tida em momento anterior ao dano. Esse entendimento consta em ZIVIZ, Patrizia; CENDON, Paolo. Il danno esistenziale. Una nuova categoria della responsabilità civile. Milano: Giuffrè, 2000. p. XXII.

(28) Decisão nº 7713 da Suprema Corte Italiana, datada de 7 de junho de 2000, como marco jurisprudencial de reconhecimento do dano existencial.

(29) Nome de relevo nas pesquisas jurídicas hispano-americanas relativas ao dano ao projeto de vida, o jusfilósofo peruano Carlos Fernández Sessarego, docente da plurissecular Universidad Nacional Mayor de San Marcos – UNMSN158, associa o dano ao projeto de vida a colapso psicossomático (com consequências que se protraem no tempo) de envergadura tal que suscita um vazio existencial, na esteira da perda do sentido que sofre a existência humana, a anular a capacidade decisória do sujeito ou a prejudicar gravemente a possibilidade de uma tomada de decisão livre e de executar um projeto de vida. FERNÁNDEZ SESSAREGO, Carlos. El daño al proyecto de vida. Disponível em <http://www.pucp.edu.pe/dike/bibliotecadeautor_carlos_fernandez_cesareo/articulos/ba_fs_7.P DF>. Acesso em: 26 dez. 2019.

(30) SAPONE, Natalino. BIANCHI, Angelo. Le ragioni del danno esistenziale. Roma: Aracne Editrice, 2010

(31) PERLINGIERI, P. La dottrina del diritto civile nella legalità costituzionale. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Padma, 31, jul/set, 2007.

(32) “Todos vivemos no tempo, que termina por nos consumir. Precisamente por vivermos no tempo, cada  um busca divisar seu projeto de vida. O vocábulo "projeto" encerra em si toda uma dimensão temporal. O conceito de projeto de vida tem, assim, um valor essencialmente existencial, atendo à ideia de realização pessoal integral. É dizer, no marco da transitoriedade da vida, a cada um cabe proceder às opções que lhe parecem acertadas, no exercício da plena liberdade pessoal, para alcançar a realização de seus ideais. A busca da realização do projeto de vida revela, pois, um alto valor existencial, capaz de dar sentido à vida de cada um. [...] É  por isso que a brusca ruptura dessa busca, por fatores alheios causados pelo homem (como a violência, a injustiça, a discriminação), que alteram e destroem, de forma injusta e arbitrária, o projeto de vida de uma pessoa, reveste-se de particular gravidade, — e o Direito não pode se quedar indiferente a isso. A vida — ao menos a que conhecemos — é uma só, e tem um limite temporal, e a destruição do projeto de vida acarreta um dano quase sempre verdadeiramente irreparável, ou uma vez ou outra de difícil reparação. Cf. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Derechos Humanos. Caso Gutiérrez Soler Vs. Colombia. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 12 de septiembre de 2005. Serie C n. 132. Voto razonado del Juez A.A. Cançado Trindade. Disponível em <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/votos/vsc_cancado_132_esp.doc>. Acesso em: 26 dez. 2019, tradução livre nossa.

(33) O dano ao projeto de vida refere-se às alterações de caráter não pecuniário nas condições de existência, no curso normal da vida da vítima e de sua família. Representa o reconhecimento de que as violações de direitos humanos muitas vezes impedem a vítima de desenvolver suas aspirações e vocações, provocando uma série de frustrações dificilmente superadas com o decorrer do tempo. O dano ao projeto de vida atinge as expectativas de desenvolvimento pessoal, profissional e familiar da vítima, incidindo sobre suas liberdades de escolher o seu próprio destino. Constitui, portanto, uma ameaça ao sentido que a pessoa atribui à existência, ao  sentido espiritual da vida. NUNES, R.P. Reparações no sistema interamericano de proteção dos direitos humanos. In: OLIVEIRA, M.L.O. (Org.). O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos: interface com  o Direito Constitucional Contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey, Cap. 9, 2007, p. 166.

(34) “O indivíduo, como ser humano, pode, uma vez inserido em diversas relações interpessoais, nos mais diversos ambientes e contextos, vir a estabelecer sua vivência e seu desenvolvimento pela busca constante do êxito no seu projeto de sua vida, do gozo dos direitos inerentes à sua personalidade, de suas afinidades e de suas atividades. A pessoa objetiva seu crescimento através da continuidade no contato, por meio dos processos de diálogo e de dialética com os demais membros, que participam com ele da vida em sociedade”. BUARQUE, E. C. M. Dano existencial: para além do dano moral. 2017. Tese. (Doutorado em Direito) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife.

(35) SOARES, F. R. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

(36) BUARQUE, E. C. M. Dano existencial: para além do dano moral. 2017. Tese. (Doutorado em Direito) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife.

(37) FROTA, H. A. Noções fundamentais sobre o dano existencial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3046, 3 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20349. Acesso em: 26 dez. 2019.

(38) SESSAREGO, C. F. ¿Existe un daño al proyecto de vida? Disponível em: <http://www. revistapersona.com.ar/Persona11/11Sessarego.htm>. Acesso em: 28 ago. 2019. Sessarego exemplifica: “Alguna vez hemos mencionado, a manera de ejemplo, la grave frustración existencial que experimenta un pianista famoso que pierde algunos dedos de la mano, lo que lo imposibilita, por ende, de realizarse como tal. Este daño al ‘proyecto de vida’ carece de significación económica, no obstante, lo cual tiene consecuencias muy graves que pueden conducir, con efecto de un vacío existencial, hasta el suicidio. Ello, claro, estará aparte del daño emergente y el lucro cesante simultáneamente causados por el agente de la acción ilícita.” SESSAREGO, C.F. Derecho a la identidad personal. Buenos Aires: Astrea, 1992. p. 261-262.

(39)  BUARQUE, E. C. M. Dano existencial: para além do dano moral. 2017. Tese. (Doutorado em Direito) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife.

(40) SANTANA, A.G. O dano existencial como categoria jurídica autônoma: um aporte a partir de um diálogo com os direitos humanos. 2017. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Pará, Belém.

(41) Art. 223-B - CLT. [reforma trabalhista 2017] Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017).

(42) ROSENVALD, N. As funções da Responsabilidade Civil – A Reparação e a Pena Civil. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017.

(43) “no hay por que rechazar la tecnología si sirve al hombre, si contribuye a un mondo mas humano, donde la solidaridad preconizada por el personalismo pueden jugar a fondo. La idea de mejorar la naturaleza humana misma no hay por qué rechazarla, en tanto que se trate de una mejora verdadera, que corresponda a la verdad antropológica del hombre y le permita buscar los bienes fundamentales a los que aspira.” TANGUY, M. P. Transhumanismo. Madrid: Rialp, 2018, p. 17.

(44) “Em hipóteses designadas como de “concepção indevida” (wrongful conception) ou também “gravidez indevida” (wrongful pregnancy), venha ou não a ocorrer um nascimento, verifica-se uma gravidez indesejada em resultado de um erro médico (lato sensu), ou é concebido um feto com  uma deficiência genética depois de os pais não terem sido informados – ou de terem sido incorretamente informados – sobre os seus riscos genéticos.” PINTO, M. P. Direitos de Personalidade e Direitos Fundamentais – Estudos. Coimbra: GESTLEGAL, 2018, p. 735-772.

(45) BERLIN, I.; BEZAMAT, A. Uma mensagem para o século XXI. Belo Horizonte: Ayiné, 2018.

(46) Berlin bem lembra que “o melhor que pode ser feito é manter um equilíbrio precário que prevenirá  a ocorrência de escolhas intoleráveis – essa é a primeira exigência para uma sociedade decente; uma pela qual valerá sempre a pena lutar.”

(47) ROSENVALD, N. – O Direito Civil em movimento – 3ª Ed., Salvador: Juspodivm, 2019, p. 178.

(48) Ibid., p.179.

(49) Ibid., loc. cit.

(50) “com efeito, em 2016, um homem nascido na Inglaterra com graves deficiências em razão de sua mãe ter sido estuprada pelo próprio pai, obteve compensação por danos morais contra o avô. Em um precedente histórico, o Upper Tribunal entendeu que a vítima - agora um homem de 28 anos - é legitimado a obter a reparação. O jovem é epilético, possui graves dificuldades de aprendizado e sério comprometimento visual e auditivo. Segundo a defesa, o demandante não se enquadrava no conceito legal de pessoa, pois se o crime não fosse cometido contra a sua mãe, ele não existiria. Ademais, um ilícito causado antes da concepção, cujas consequências se revelam após o nascimento, não pode ser tratado como lesão a uma pessoa viva. Contudo, para os magistrados, não há norma preceituando que a vítima seja uma pessoa ao tempo do crime. O decisivo é que as desordens genéticas sejam consequências diretamente atribuídas ao ato incestuoso.” ROSENVALD, N. – O Direito Civil em movimento – 3ª ed., Salvador: Juspodivm, 2019, p. 178.

(51) POPPER, K. A Sociedade aberta e seus inimigos. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974.

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