Responsabilidade civil, genética e riscos desconhecidos

1. INTRODUÇÃO

Desde a descrição da estrutura molecular do DNA (J. Watson e F. Crick, 1953) (1) e, a partir da superação dos desafios decorrentes do sequenciamento do genoma humano (Projeto Genoma, 2003) (2), os cientistas têm se dedicado ao estudo e desenvolvimento de tecnologias que possibilitam a manipulação genética de células e organismos, com o intuito de promover a exclusão ou correção de mutações genéticas, desfazendo ou silenciando seus efeitos deletérios.

O recente anúncio do Nobel de Química 2020 tornou-se um marco histórico quando as cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna receberam o prêmio pela descoberta da técnica de edição genética - CRISPR/Cas9, o que representou o reconhecimento científico de uma das mais importantes descobertas do século XXI (3). Essa tecnologia disruptiva, ora reconhecida no mundo científico, representa um caminho sem retorno diante das evidências alcançadas, exigindo mudanças de paradigmas e criando desafios inéditos que suscitam adequações do sistema jurídico aos novos anseios.

Os estudos de Charpentier e Doudna comprovaram que a endonuclease Cas9, juntamente com uma molécula de RNA guia, poderia ser programada para clivar especificamente qualquer sequência de DNA, o que ampliou e generalizou a aplicabilidade do sistema CRISPR/Cas9 (4). A partir de então, foi possível, com alta eficiência, facilidade e baixo custo, utilizar essa ferramenta nas pesquisas básicas, na biotecnologia e no desenvolvimento de novas alternativas preventivas e terapêuticas, representando uma revolução na pesquisa em biologia. Democratizou-se a edição do genoma (5).

Entretanto, mesmo considerando os benefícios terapêuticos preventivos demonstrados nas pesquisas básicas e pré-clínicas, devido ao seu ineditismo e à possibilidade de promover mudanças permanentes no DNA, com eventual impacto sobre as futuras gerações, tais investigações justificam os intensos debates em torno da aplicabilidade dessa nova tecnologia, seja no que tange à necessidade de adequada regulamentação, seja no que se refere à ponderação relativa aos seus limites e potencialidades (6).

No contexto da edição genética de embriões humanos ou de células da linhagem germinativa, discutem-se não somente dilemas éticos, mas, também, o impacto dos riscos futuros e desconhecidos aliados à incerteza quanto aos efeitos danosos decorrentes dessa nova tecnologia, no âmbito da responsabilidade civil. No campo da biotecnologia, não é rara a discussão em torno dos riscos potenciais ou, até mesmo, incertos quando se trata de ineditismo tecnológico como é o caso da técnica de edição gênica - CRISPR/Cas9. Desse modo, é essencial que, nessas situações, a discussão sobre a previsibilidade e causalidade dos riscos seja aprofundada, pois, apesar de imperceptíveis de imediato, podem representar ameaça latente caracterizando riscos desconhecidos ou de causa ignota.

Nesse sentido, como grande desafio na tentativa de apresentar alternativas no plano da reparação de danos, ampliação da confiança, solução e administração de conflitos de interesses, justifica-se o enfrentamento de temas relevantes como: a expansão da função precaucional da responsabilidade civil, a responsabilidade pelos riscos do desenvolvimento, o cabimento da excludente de responsabilidade, a importância da regulação pública das externalidades negativas e a tutela geral da personalidade (7).

2. POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES DA TÉCNICA EDIÇÃO GENÉTICA - CRISPR/Cas9

A técnica CRISPR/Cas9, que funciona como um “editor de texto genético”, promove a correção ou exclusão de genes portadores de mutações relacionadas a doenças possibilitando, assim, desfazer ou silenciar os efeitos deletérios das mesmas. Essa ferramenta apresenta dispositivos de “reconhecimento” que possibilitam sua aderência às sequências específicas de nucleotídeos do DNA-alvo, e, também, dispositivos de “clivagem”, que permitem seccioná-los (8).

O processo de edição divide-se em etapas. A primeira está relacionada com o reconhecimento e a clivagem da molécula de DNA enquanto a segunda destina-se ao reparo da mesma. Uma vez seccionados os nucleotídeos, são acionados mecanismos celulares endógenos naturais de reparação do DNA. O processo de edição utiliza- se, então, desses recursos, para promover as modificações pretendidas. Assim, o reparo pode ocorrer por ligação de extremidades não homólogas (mecanismo útil quando se pretende silenciar a ação de genes) ou, também, ser dirigido por moldes. Nessa situação, é possível inserir nas células, juntamente com a ferramenta de edição, moldes de DNA externo. Assim, pode-se fornecer moldes externos, contendo genes selecionados, ao novo segmento de DNA a ser formado no local da clivagem (9).

A edição gênica, quando aplicada em pesquisas básicas, oferece grande vantagem, uma vez que gera conhecimento científico amplo que poderá contribuir para a saúde e bem estar dos seres humanos. Nesse sentido, destacam-se como exemplos o esclarecimento dos mecanismos que justificam a diferenciação celular em modelos humanos, a investigação do papel de alguns genes específicos nos momentos iniciais do desenvolvimento embrionário humano, a compreensão da gênese de doenças genéticas propiciando o desenvolvimento de terapias gênicas importantes no tratamento das mesmas, dentre outros. Já, com relação às pesquisas de aplicação clínica, é irrefutável a importância da edição gênica em embriões humanos possibilitando o desenvolvimento de técnicas preventivas de doenças genéticas (6% das crianças recém-nascidas apresentam problemas genéticos importantes) (10).

O fato de tanto na técnica de fertilização in vitro, quanto na técnica de diagnóstico pré-implantação, ocorrer seleção prévia de embriões não afetados por doenças genéticas, faz com que muitos defendam que a edição gênica seria desnecessária. Entretanto, há uma série de situações em que a possibilidade de seleção de embriões viáveis é muito reduzida ou próxima de zero (casos em que há produção de apenas um embrião viável na fertilização in vitro, e, o mesmo, é portador de mutação monogênica; nas situações em que os pacientes são portadores de doenças genéticas autossômicas dominantes, apresentando duas cópias do gene com mutação; casos de doenças autossômicas recessivas, quando mesmo procedendo-se a seleção de embriões pela técnica de fertilização in vitro seguida de diagnóstico pré-implantação, não há como evitar a possível transmissão do gene com mutação para os descendentes do portador sadio). Na maioria desses casos, mesmo utilizando-se as técnicas de fertilização in vitro e o diagnóstico pré-implantação, seria necessário produzir quantidade significativa de embriões para garantir possível seleção de embrião saudável, e, mesmo assim, sem a garantiria que tal embrião ficasse livre de ser portador da mutação podendo transmiti-la a seus descendentes. Além disso, em longo prazo, as pesquisas envolvendo edição gênica pode tornar-se importante ferramenta nos casos de doenças poligênicas, já que a técnica tem o potencial de promover múltiplas alterações gênicas simultaneamente. É fato, entretanto, que isso dependerá do avanço dos estudos, para deixar de ser apenas uma expectativa. A gênese dessas doenças ainda não foi totalmente delineada, por isso há necessidade de se progredir com as investigações a fim de comprovar o possível potencial da técnica em reduzir sua incidência (11). Até mesmo no âmbito das doenças infecciosas, a indicação clínica da edição gênica já é uma realidade, visto que, alguns genes podem garantir aumento da resistência do indivíduo à infecção por diferentes patógenos (12).

Entretanto, apesar da potencialidade da técnica de edição gênica, ainda persistem limites quanto à sua efetividade como, por exemplo, a ocorrência do mosaicismo e das mutações fora do alvo (off-target) (13).

O embrião mosaico resulta de um corte ineficiente do DNA pela nuclease e/ou por reparação inapropriada do mesmo (14). Assim, mesmo após edição, irão coexistir diferentes tipos de células, ou seja, as originais sem mutação (normais); as originais com mutação e as devidamente editadas (sem mutação). Logo, indivíduos mosaicos apresentam diferentes genomas. Isso pode impactar negativamente quando se trata da linhagem germinativa pois, nesse caso, o mosaicismo, apesar de não determinar que o indivíduo seja afetado, não impede a transmissão dos genes com mutação para os descendentes. Entretanto, apesar do risco de ocorrência do mosaicismo, resultados promissores de estudos laboratoriais inéditos, utilizando-se guias de RNA mais sensíveis (CRISPR/Cas9/sgRNA), comprovam aumento significativo na efetividade preventiva desse efeito indesejável (15).

Com relação às mutações fora do alvo, ou seja, não intencionais, técnicas recentes mais aprimoradas têm demonstrado eficiente capacidade de estimar o efeito mutagênico (ferramenta de bioinformática). Assim, uma vez realizada a edição e detectada a mutação, seria possível realizar a seleção do embrião pré-implantação. Dessa forma, não se estaria negando o risco de dano, mas evitando que esse dano torne- se moralmente significativo. Nesse sentido, outro aspecto também relevante, é o fato de que ao se efetuar a edição gênica-terapêutica, evitar-se-ia a produção de quantidades excessivas de embriões excedentários. É certo que, para reduzir os riscos de possíveis mutações fora do alvo, os pesquisadores têm-se dedicado ao aprimoramento tecnológico produzindo guias de RNA e endonucleases Cas9 mais específicas e com maior fidelidade. Esses avanços tecnológicos, com certeza, vêm contribuindo para maior segurança e acurácia da técnica de edição gênica. Efetivamente, o desenvolvimento de métodos que monitoram a ocorrência do mosaicismo e das mutações fora do alvo, e que definem a frequência de ocorrência das mesmas, no modelo humano, já constituem uma realidade (16) (17).

Considerando-se as que as medidas de segurança/precaução em relação ao mosaicismo e   às mutações fora do alvo estão em efetivo progresso, não tem como supor que tais riscos se intensifiquem em longo prazo. É inegável que toda pesquisa médica imponha riscos de danos previsíveis e imprevisíveis aos participantes, sendo esses rotineiramente considerados sob o ponto de vista ético. Entretanto, nesse contexto, supor tolerância zero ao risco seria equivalente a impedir qualquer inovação clínica (18) (19).

Tendo em vista que a técnica de edição gênica-CRISPR/Cas9 seja utilizada com a finalidade única de corrigir defeitos genéticos e restaurar a saúde em futuras crianças, é difícil visualizar como isso poderia refletir, de forma negativa, na dignidade humana. Assim, dependendo da doença genética que se pretende evitar, o benefício para o indivíduo é existencial, já que, nesses casos, as limitações são tão graves que podem comprometer a qualidade ou a própria vida (20) (21).

3. A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DOS RISCOS DESCONHECIDOS E A TÉCNICA DE EDIÇÃO GENÉTICA - CRISPR/CAS 9

Na perspectiva de que a produção do conhecimento impõe um desenvolvimento técnico científico cada vez mais célere ampliam-se, não só, as discussões em relação aos dilemas bioéticos e riscos potenciais à saúde, bem como, as possibilidades de reparação de danos oriundos desses eventuais efeitos prejudiciais.

Tendo em vista os riscos potenciais que acompanham as técnicas tidas como inéditas, como no caso da técnica CRISPR/Cas9, torna-se oportuna a discussão sobre a possível previsibilidade e causalidade dos mesmos. Esses riscos seriam aqueles considerados como imprevisíveis e de causa incerta, ou seja, apesar de imperceptíveis de imediato, representariam ameaça latente caracterizando “riscos desconhecidos” ou de causa ignota (22).

Nos contextos da Europa Continental, o tema responsabilidade civil por riscos desconhecidos - liability for unknow risks – vem sendo amplamente discutido sendo considerado como desvantagens dos progressos técnicos que emergem da nanotecnologia, softwares, aplicativos e engenharia genética (23).

Nos casos em que estão envolvidos riscos desconhecidos há consenso firmado no sentido do não cabimento da responsabilidade subjetiva já que a previsibilidade do fato danoso é considerada requisito da culpa e a informação sobre o provável risco de dano não está disponível, ou seja, não se pode estimar quando seria possível prever tal risco. Situação diferente diz respeito àquela na qual o risco é conhecido, porém dificilmente controlável ou evitável. Nesse caso, a responsabilização por culpa somente poderia ser aventada caso o princípio da precaução não fosse respeitado, como ocorre nas situações de inadequação dos deveres de cuidado, proteção e informação, conforme as legis artis.

Por outro lado, de acordo com a teoria objetiva, a responsabilização por danos causados por riscos desconhecidos pode ocorrer quando os mesmos estão relacionados à causalidade incerta o que implica na distribuição do ônus da prova (se não for comprovada a causalidade ou na incapacidade de identificar o fato novo que interrompeu o nexo causal entre o dano e a atividade geradora do mesmo).

Considerado sob o ponto de vista pragmático, em que todo risco gerado é convertido em fator de imputação objetiva, a consequência inevitável é o comprometimento de qualquer avanço de livre-iniciativa e empreendedorismo das sociedades atuais. Portanto, na análise da responsabilidade civil, faz-se necessária a ponderação entre as linhas gerais estabelecidas pelo legislador e a atualização da norma construída com base na doutrina e jurisprudência. Assim, não se pretende o impossível (exclusão do risco) mas a mitigação dos danos. Desta forma, é essencial conhecer o potencial de risco da atividade para que se justifique uma imputação objetiva de danos ao agente. Esse, sem dúvida, é o maior desafio (24).

De acordo com a cláusula geral do parágrafo único do art. 927 do Código Civil Brasileiro ao anunciar que a atividade implica risco “por sua natureza”, significa dizer que o risco é da essência da atividade sendo um aspecto preexistente e intrínseco da mesma (risco da atividade). Sendo assim, essa atividade gera, por si só alto índice de danosidade implicando que a pessoa que empreende seja a responsável pela reparação de forma objetiva. Trata-se, portanto, de risco especial capaz de induzir danos quantitativamente numerosos (probabilidade elevada de ocasionar danos) e qualitativamente graves (intensidade da ocorrência eventual). Ressalta-se que não se exige um perigo anormal dos meios, mas que o mais importante é a verificação da regularidade estatística com que o evento lesivo aparece em decorrência da atividade exercida.

Com base nesse contexto pode-se inferir que   os riscos desconhecidos decorrentes da técnica CRISPR/Cas9, por não serem preexistentes, não poderiam ser considerados da essência da atividade. Nesse entendimento, para que um risco em potencial se manifeste sob a forma de dano, no plano da edição gênica, podem ser necessárias diversas interações com o ambiente o que muitas vezes, só ocorre ao longo do tempo, podendo ser detectáveis apenas em gerações futuras. Esse suposto dano depende, também, de diferenças individuais que podem tanto impedir quanto exacerbar o potencial lesivo da atividade e sofre a ação de inúmeras variáveis que, inclusive, limitam a possibilidade de se estimar o índice lesivo da atividade. Esse é um fator imprescindível na definição da probabilidade de manifestação do risco. Sabe-se que, em se tratando de manipulação genética, um dos principais determinantes do efeito lesivo é, exatamente, a frequência em que ele ocorre. Assim, diante de tantas peculiaridades, fica evidente que é a natureza da atividade que irá determinar, no caso concreto, a sua propensão na criação do risco.

Ainda, no contexto da imputação objetiva, destaca-se a indiscutível relevância da análise da causalidade. Ao autor do fato caberá responsabilização pela simples atribuição de um certo nexo de imputação como a responsabilidade pela segurança, garantia ou risco. Adota-se, portanto, a noção normativa do nexo de causalidade adequando-se a teoria da causalidade aos problemas oriundos da massificação e despersonificação dos sujeitos nas sociedades de risco. Entende-se que, por meio das teorias de causalidade, pretende-se, de certo modo, facilitar a reparação de danos injustos pela substituição de critérios causais, baseados em certezas, por critérios de probabilidade pelos quais considera-se a razoabilidade da ocorrência dos resultados. Essa concepção probabilística da responsabilidade civil baseia-se na análise jurídica da imputação de danos que se fará por meio da classificação da atividade como sendo estatística e tipicamente associada ao dano (dados de pesquisas, métodos científicos ou técnicos, laudos periciais). Assim, a teoria da causalidade adequada que possibilita análise abstratamente referida da probabilidade do evento danoso, destaca-se como opção preferencial. Nesse caso defere-se, ao julgador, o juízo de probabilidade no qual os fatos serão admitidos como presumidamente verdadeiros tendo, como base, a potencialidade e probabilidade do risco em relação ao dano garantindo-se, enfim, a reparação (25). Portanto, por meio da teoria da causalidade adequada é possível proceder- se a análise apriorística da potencialidade danosa de certa atividade. Dessa forma, as constatações estatísticas referentes ao risco da atividade antecedem a ocorrência do dano, ou seja, vislumbra-se o risco irrazoável de certa atividade pela identificação de sua aptidão em gerar dano.

Analisando-se a hipótese na qual riscos desconhecidos emergem da utilização da técnica CRISPR/Cas9 alguns desafios na aplicabilidade da teoria da causalidade adequada se impõem. Destaca-se, temos a limitação referente a possibilidade de se realizar análise referida de forma abstrata, pois a mesma fundamenta-se na possibilidade de avaliação de uma multiplicidade de casos semelhantes. Assim sendo, de posse de elementos técnicos objetivos, pode-se inferir se determinado evento danoso é efeito esperado ou razoável de certa atividade. Outro aspecto relevante a ser considerado é o fato da casuística ser mínima em relação a técnica CRISPR/Cas9. Tal fato deve-se aos impedimentos ora impostos à aplicabilidade da técnica, além de seu ineditismo e extremo dinamismo. Desde sua criação, o aprimoramento da técnica tem sido cotidiano, o que contribui para dificultar a utilização dos critérios de probabilidade e razoabilidade ao se estabelecer a vinculação entre aquela atividade que se coloca no início do dano e o dano injusto no caso concreto. Portanto, a ideia de que a análise jurídica da imputação de danos se fará por meio da classificação da atividade fica prejudicada (26).

Nessa mesma perspectiva argumentativa, para além dessa discussão, merece destaque a análise do princípio da precaução proposta, recentemente, por Koplin e colaboradores. É indiscutível que, no tocante à tomada de decisões em contextos em que as atividades apresentam ameaças incertas, mas potencialmente graves (como no contexto da edição gênica de células da linhagem germinativa), o princípio da precaução assume papel relevante. Entretanto, na análise pioneira e inovadora que esses autores propõem, além da ponderação sobre as várias nuances do princípio da precaução (negativa e positiva), a plausibilidade do “princípio da precaução suficiente” é também considerada. Assim sendo, o parâmetro de análise custo-benefício, até então utilizado, daria espaço ao enfrentamento mais específico dos riscos ou ameaças. Nesse contexto, não só os desafios do uso da técnica seriam analisados como, também, os riscos decorrentes de sua não utilização, principalmente no que se refere à saúde genética das gerações futuras (27).

Sob a égide da imputação objetiva caberá, ainda, a análise do tema risco desconhecido com base no debate sobre risco do desenvolvimento. Mesmo antes da chegada do Código Civil de 2002, já se encontrava em vigor o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que consagra a responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços pelo chamado “acidente de consumo”. Portanto deduz-se, do exposto, que o CDC adota a doutrina de imputação objetiva em um viés específico: teoria do defeito do produto ou do serviço – ou seja: obrigação objetiva de indenizar sem fundamento no risco da atividade, como previsto no Código Civil/2002 (28).  

No Brasil, apesar da discussão sobre riscos desconhecidos não ter sido amplamente enfrentada, o debate sobre o risco do desenvolvimento (espécie do gênero “riscos desconhecidos”) é bastante difundido. Os denominados riscos do desenvolvimento referem-se aos efeitos negativos colaterais provenientes da utilização de produtos ou serviços que podem ocorrer após os mesmos terem sido fornecidos aos consumidores. Diante disso, a polêmica se instaura e se maximiza quando se trata de riscos que, apesar de inicialmente desconhecidos, tornam-se conhecidos a partir do avanço da ciência. Essa eventualidade, implicaria na aceitação da excludente de responsabilidade do fornecedor, pelo risco do desenvolvimento (29).

Por meio da Diretiva 85/374, a União Europeia enfrentou a questão do risco do desenvolvimento consagrando-o como causa excludente da responsabilidade objetiva. Entretanto, foi estabelecido, como requisito de admissibilidade, a prova, por parte do produtor, de que, no momento de colocação do produto no mercado, não era possível detectar a existência do defeito/efeito negativo colateral do produto, ou seja, o critério temporal seria o da colocação do produto no mercado e não o da verificação do dano. Definiu-se, ainda, que caberia à legislação interna de cada Estado-membro incorporar ou não a excludente do risco do desenvolvimento (Development Risks Defence - DRD) (30)(31)(32).

Apesar de o legislador brasileiro não ter imposto, expressamente, a excludente de responsabilidade, seu silêncio, necessariamente, não precisa ser interpretado como exclusão da mesma. Para aqueles que defendem que tal excludente seja aceita, o principal argumento é que exigir tamanha cautela – assumindo-se riscos impossíveis de se prever ou inevitáveis àquele tempo – seria, de certa maneira, impedir o avanço científico e obrigando o fornecedor ao impossível (33). Ainda nesse sentido, sustenta-se que o artigo 10 do CDC, ao estabelecer a vedação ao fornecedor de oferecer no mercado produtos que saiba ou devesse saber apresentar alto grau de periculosidade ou nocividade, exclui por interpretação em contrário a responsabilidade, já que não há, em relação aos riscos do desenvolvimento, um dever de conhecimento sobre o defeito, no momento em que o mesmo é introduzido no mercado (34).

Merece destaque que ao se tratar de riscos do desenvolvimento a questão de maior relevância é a imprevisibilidade desses riscos. Trata-se de danos imponderáveis quanto à sua ocorrência e extensão, razão pela qual a simples imputação de responsabilidade ao fornecedor romperia com a lógica do sistema de admissão do risco, em face da possibilidade de sua previsão e internalização como custo da atividade negocial (35)(36)(37). Ressalta-se que, na hipótese do risco desconhecido relacionado às inéditas técnicas

de edição gênica, não haveria propriamente um “produto defeituoso”. A técnica CRISPR/Cas9 é, na verdade, um tipo de atividade prestada o que significa dizer um serviço prestado. O conceito de serviço defeituoso implica na atividade prestada com carência de segurança mas, para o direito interferir, é necessário que essa insegurança ultrapasse o limite da normalidade e que haja previsibilidade do risco. Esse fato é que caracteriza o defeito propriamente dito. Nos casos dos serviços de periculosidade adquirida pode-se falar em defeito. Entretanto, nesses casos, essas atividades não apresentam, em sua essência, risco inerente ou exagerado. Assim, quando o defeito surge (momento em que o dano se manifesta) ele será considerado imprevisível (38).

Nesse sentido, e na perspectiva da técnica CRISPR/Cas9, entende-se que a atividade não apresentando risco inerente, na hipótese de vir a desenvolver a periculosidade (serviço de periculosidade adquirida), será considerada como evento lesivo imprevisível ou desconhecido. A possibilidade da exclusão de responsabilidade com base no risco do desenvolvimento (DRD), assim como previsto de forma expressa na diretiva Europeia 85/374, pode ser então aventada nessas circunstâncias (39). 

Diante do exposto, questiona-se a eficácia da responsabilidade civil, nos moldes tradicionalmente postos, em salvaguardar contra os efeitos nocivos de novas tecnologias que implicam, muitas vezes, em riscos desconhecidos e, até mesmo, imprevisíveis com potencial de afetar, inclusive, gerações futuras. Assim, torna-se essencial a discussão ampliada desse tema o que implica, necessariamente, em se conceber outras estratégias de enfrentamento dos desafios da responsabilidade civil frente aos “novos riscos”. Essas estratégias, certamente, incluem o “direito geral de personalidade” e a “internalização das externalidades negativas” ou socialização do risco (40).

Considerando-se análise comparativa - Código Civil Português e Novo Código Civil Brasileiro- (41), os direitos da personalidade correspondem, em sua maioria, aos direitos fundamentais que incidem sobre a personalidade humana globalmente considerada, quer quando incidem sobre aspectos ou modos de ser particulares da personalidade, quer quando dizem respeito à concepção de um “direito geral de personalidade”, com correspondência na cláusula da dignidade da pessoa humana e no direito ao desenvolvimento da personalidade. As relações sistemáticas de matérias dos direitos fundamentais com os vários diplomas legais, bem como com a Constituição, garantem sua eficácia nas relações jurídico-privadas e constitucionais. Assim, os direitos de personalidade desempenham função de instrumento jurídico de concretização dos direitos fundamentais nas relações jurídico-privadas.

Em sistemas jurídicos nos quais está explicitamente prevista a cláusula de proteção ou “tutela geral da personalidade” - conceito indeterminado - permite-se, não apenas, a proteção de uma série de direitos especiais de personalidade não proclamados como, também, a fundamentação positiva do direito de personalidade ou, até mesmo, o reconhecimento de outras formas de proteção da pessoa. No direito brasileiro, embora não esteja explícita, a cláusula de tutela geral poderá considerar-se implícita, seja no reconhecimento dos direitos de personalidade, seja pela correspondência com o artigo 5º da Constituição/1988.

Assim, pode-se inferir que os direitos da personalidade não tutelam apenas um aspecto particular da pessoa humana, mas englobam, de forma ampla, os diferentes aspectos da personalidade humana abrangendo novas zonas de relevância. Além de abordar a pessoa sob o ponto de vista de um ser humano estático, considera-se também a perspectiva de seu desenvolvimento (42).

Nesse sentido, os direitos de personalidade, protegidos pela cláusula de proteção geral, têm, como objeto, considerar a personalidade humana em todas as suas manifestações, atuais, futuras, previsíveis e imprevisíveis, sendo, então, referidos como “direito geral de personalidade”, concepção que vem se impondo na maioria das ordens jurídicas. Assim sendo, ele tem potencial mais amplo de proteção, abrangendo, inclusive, as situações de novas ofensas, que não são protegidas pelos direitos especiais, como é o caso das complexas questões envolvendo manipulação gênica humana (43). Desse modo, a concepção de um “direito geral de personalidade” garante, por mecanismo distinto do direito privado, e de forma bem específica, a tutela de novos bens e o enfrentamento de novas ameaças, tendo sempre como referência o respeito pela personalidade, não apenas numa perspectiva estática mas, também, dinâmica que inclui de forma simultânea, a liberdade de desenvolvimento (44) (45) (46).

Não se pode negar que a proteção de bens, de forma ilimitada, requer novos instrumentos, como cláusulas gerais e conceitos indeterminados (47). É, portanto, nesse sentido, que se concebe o “direito geral de personalidade” como estratégia de ampliação da proteção à pessoa diante dos novos riscos que a técnica de edição gênica pode acarretar.

É notório que a edição gênica, por caracterizar atividade complexa e com elevado potencial de riscos desconhecidos envolvidos, adequa-se ao contexto da “sociedade de risco.” Nessa circunstância, em que é árdua a demonstração de uma causalidade adequada diante dos danos anônimos e atemporais, a internalização das externalidades negativas se destaca como medida preventiva de notável eticidade. Assim, a responsabilidade civil torna-se apta a corresponder à multiplicidade de funções por ela exercidas na atualidade (48) (49). A reparação deixa de ser uma possibilidade, e torna-se uma certeza (50).

A possibilidade do seguro, social ou privado obrigatório, seria uma forma de garantir a reparação dos danos e conferir mais segurança às atividades de risco, já que minimiza as consequências maléficas do procedimento, diluindo seus efeitos e permitindo a cobertura dos danos na eventualidade de sua ocorrência, além de superar a inadimplência do agente responsável (51) (52).

Nessa esfera, torna-se inegável que a securitização da responsabilidade civil se converta em modelo viável da “sociedade de risco.” Ao invés da culpa e da coerção, a responsabilidade encontra novo fundamento moral na orientação prospectiva e no cuidado (53) (54).


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos diferentes aspectos abordados em relação aos riscos inerentes às novas invenções e avanços tecnológicos no campo da genética, faz-se necessário identificar qual dever jurídico é violado em face da imposição de um risco. Sabe-se que risco é probabilidade de dano. Entretanto, como discutido anteriormente, isso nem sempre é suficiente para gerar obrigação de indenizar. Portanto, o fundamento dessa obrigação não seria somente o risco mas a violação de um dever jurídico. Tendo em vista que a segurança é contraponto do risco, ela representa o dever jurídico a ser tutelado (tutela da segurança).

Assim, diante do cenário atual de uma sociedade exposta a diferentes riscos, questiona-se, cada vez mais, se a responsabilidade civil seria o caminho mais eficiente de salvaguardar contra os efeitos dessas novas tecnologias que implicam, muitas vezes, em riscos imprevisíveis com potencial de afetar, até mesmo, gerações futuras.

Nesse contexto, contribuindo para o enfrentamento dos desafios da responsabilidade civil destaca-se, como de extrema relevância o princípio da precaução. Garante-se, desse modo, o gerenciamento do estado de incerteza quanto ao risco e determina-se medida proativa no sentido de anteceder o dano.

A precária abordagem da função precaucional ora vigente face aos riscos potenciais impostos pelas avançadas técnicas de manipulação genética, torna essencial a discussão ampliada desse tema o que implica na necessidade de conceber estratégias de enfrentamento dos desafios da responsabilidade civil frente aos “novos riscos”.

Reforça-se, pois, a necessidade de contínuos diálogos interdisciplinares, imprescindíveis no sentido de se ponderar, delinear e estabelecer novos paradigmas objetivando promover as adequações pertinentes. Apesar das limitações até então impostas no âmbito das técnicas de edição genética, não há como negar a perspectiva de superação futura desses desafios, o que, certamente, determinará a indicação preventiva e/ou terapêutica, segura e viável da técnica.


(1) WATSON, J.D.; F.H. CRICK, Molecular structure of nucleic acids; a structure for deoxyribose nucleic acid. Nature, 1953. 171(4356): p. 737-8.

(2) Disponível em:https://www.genome.gov/human-genome-project. Acesso em: 14/11/2020

(3) THE ROYAL SWEDISH ACADEMY OF SCIENCES. Scientific Background on the Nobel Prize in Chemistry 2020. A tool for genome editing. p. 1-13.

(4) GASIUNAS, G., et al., Cas9-crRNA ribonucleoprotein complex mediates specific DNA cleavage for adaptive immunity in bacteria. Proc Natl Acad Sci U S A, 2012. 109 (39): p. E2579-86.

(5) KNOTT, G.J. and J.A. DOUDNA, CRISPR- Cas guides the future of genetic engineering. Science, 2018. 361(6405): p. 866-869.

(6) CLEMENTE, G. T. Avanços e desafios da edição gênica em seres humanos. In: Nicoletti, C. E. et al (Org.) Biodireito, bioética e filosofia em debate. São Paulo: Almedina, 2020. p.21-38.

(7) CLEMENTE, G. T. Responsabilidade Civil, Edição Gênica e o CRISPR.  In: Rosenvald, N.; Dresch, R. F. V.; Wesendonck, T. (Org.). Responsabilidade Civil - Novos Riscos. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2019. p. 301-317.

(8) CRISPR/Cas9 - Trata-se de complexo formado por enzima do tipo endonuclease (Cas9) guiada até a região específica da molécula de DNA (gene marcado) que se pretende editar, por meio de uma molécula de gRNA, programada para reconhecer a sequência específica do DNA. Assim, procede-se à substituição do fragmento de DNA, que possui a mutação, por sequência normal possibilitando a correção da desordem. A molécula de gRNA pode ser personalizada para reconhecer sequências específicas do DNA por meio de alteração de apenas 20 nucleotídeos. Dessa forma, genes específicos podem ser alvo do gRNA e, consequentemente, da Cas 9, o que propicia modificações precisas dos mesmos. REYES, A.; LANNER, F., Towards a CRISPR view of early human development: applications, limitations and ethical concerns of genome editing human embryos, The Company of Biologists, n. 144, p. 3-7, 2017.

(9) ROYO, M.M; Clemente, G.T. Responsabilidade Civil nas técnicas de engenharia genética: uma análise do movimento “do-it-yourself biology” e da atuação dos biohackers. In: KFOURI NETO, M.; NOGAROLI, R. (Org.). Debates contemporâneos em Direito médico e da Saúde. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 93-122.

(10) GYNGELL, C.; FELLOW, M.; DOUGLAS, T.; SAVULESCU, J. The ethics of germline gene editing. J Appl Philos., n. 34(4), p. 498-513, 2017.

(11) CAVALIERI, G. Genome editing and assisted reproduction: curing embryos, society or prospective parents? Medicine, Health Care and Philosophy, p. 1-11, 2017.

(12) XU, L.; YANG, H.; GAO, Y., et al. CRISPR/Cas9 – mediated CCR5 ablation in human hematopoietic steam/progenitor cells confers HIV-1 resistence in vivo. American Society of Gene & Cell Therapy, v. 25, n. 8, 2017.

(13) Mutações off-target seriam aquelas não intencionais, que podem ocorrer no genoma em decorrência da ação não específica da enzima Cas9. Dessa forma, além do efeito pretendido, pode-se provocar também a mutação de algum outro gene de forma não esperada ou indesejada – BOEL, A.; STEYAERT, W.; DE ROCKER, N., et al. BATCH-GE: batch analysis of next generation sequencing data for genoma editing assessment. Sci Rep., n. 6, p. 30330, 2016.

(14) “O mosaicismo é a presença em um indivíduo ou em um tecido de ao menos duas linhagens celulares geneticamente diferentes, porém derivadas de um único zigoto. As mutações que acontecem em uma única célula após a concepção, como na vida pós-natal, podem originar clones celulares geneticamente diferentes do zigoto original porque, devido à natureza da replicação do DNA, a mutação irá permanecer em todos os descendentes clonais dessa célula.” THOMPSON & THOMPSON. Genética Médica: Padrões de herança monogênica. Rio de Janeiro: Elsevier, p.107-132, 2016.

(15) HASHIMOTO, M.; YAMASHITA, Y.; TAKEMOTO, T. Eletroporation of Cas9 protein/sgRNA into early pronuclear zygotes generates non-mosaic mutants in the mouse. Dev Biol., n. 418, p. 1-9, 2016.

(16) KLEINSTIVER, B.; PATTANAYAK, M.; TSAI, S., et al. High fidelity CRISPR-Cas9 - nucleases with no detectable genome-wide off-target effects.  Nature, n. 529, p.490-495, 2016.

(17) SLAYMAKER, I.; GAO, L.; SCOTT, D., et al. Rationally engeneered Cas9 nucleases with improved specificity. Science, n. 351, p. 84-88, 2015.

(18) DE WERT, G.; HEINDRYCKX, B.; PENNINGS, G., et al. Responsible innovation in human germline gene editing: Background document to the recommendations of ESHG and ESHRE. European Society of Human Genetics, 2018.

(19) CLEMENTE, G. T.; ROSENVALD, N. Edição Gênica e os limites da Responsabilidade civil. In: Martins, G.M.; Rosenvald, N. (Org.). Responsabilidade Civil e Novas Tecnologias. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2020. p. 235-61.

(20) GYNGELL, C.; FELLOW, M.; DOUGLAS, T.; SAVULESCU, J. The ethics of germline gene editing. J Appl Philos., n. 34(4), p. 498-513, 2017.

(21) CLEMENTE, G. T.; ROSENVALD, N. Dano ao projeto de vida no contexto da edição gênica: uma possibilidade. In: Menezes, J.B; Dadalto,L.; Rosenvald, N. (Org.). Responsabilidade Civil e Medicina. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2020. p. 227-45.

(22) CLEMENTE, G. T. Responsabilidade Civil, Edição Gênica e o CRISPR. In: ROSENVALD, N.; DRESCH, R. F. V.; WESENDONCK, T. (Org.). Responsabilidade Civil - Novos Riscos. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2019. p. 301-317.

(23) ROSENVALD, N. O Direito Civil em movimento: desafios contemporâneos. Salvador: JusPODIVM, 2017, 205-207 p.

(24) BRAGA-NETO, F.P.; FARIAS, C. C.; ROSENVALD, N. Novo tratado de responsabilidade civil. 3ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018,  631 p.

(25) MULHOLLAND, C. S. A responsabilidade civil por presunção de causalidade. Rio de Janeiro: GZ, p. 283-285, 2010.

(26) CLEMENTE, G.T., 2019, loc. cit. 23

(27) We have argued that, while negative precautionary principles can be pragmatically useful in some contexts, they have little to contribute to the policy debate surrounding reproductive GGE. Positive precautionary principles are more closely relevant. Positive precautionary principles recommend placing especial weight on avoiding certain kinds of threats, such as threats we are cognitively primed to undervalue, threats that are poorly understood, threats to the achievement of a sufficient level of well- being and threats to health security. While it is difficult to derive any straightforward policy recommendations from these positive versions of the precautionary principle, plausible versions of it would endorse GGE in at least some contexts – in particular, contexts where GGE could be used to correct otherwise catastrophic genetic mutations and/or to promote the long-term robustness of human populations. Given that the pre- cautionary principle is generally deployed against GGE, we think this is an important insight.” KOPLIN, J. J.; GYNGELL, C.; SAVULESCU, J. Germline gene editing and the precautionary principle. Bioethics. p. 1-11. 2019

(28) BRAGA-NETO, F.P.; FARIAS, C. C.; ROSENVALD, N. Novo tratado de responsabilidade civil. 3ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, p.640-642, 2018.

(29) ROSENVALD, N. O Direito Civil em movimento. Salvador: JusPODIVM, p. 206, 2017.

(30) DEL OLMO, P. Unknown Risks and Civil Liability in Spain: A Study of Spanish Law with Some French/Italian Comparative Remarks. JETL, v. 7, n. 2, p. 168-197, 2016.

(31) HOGG, M. A. Liability for Unknown Risks: A Common Law Perspective. JETL, v. 7, n. 2, p. 113– 142, 2016.

(32) LOOSCHELDERS, D. Liability for Unknown Risks in German Law. JETL, v. 7, n. 2, p. 143–167, 2016.

(33) ROSENVALD, N. O Direito Civil em movimento. Salvador: JusPODIVM, p. 206, 2017.

(34) ULHÔA, F.C. O empresário e os direitos do consumidor. São Paulo: Saraiva, p. 86, 1994.

(35) MIRAGEM, B. N. B. Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, p. 550-557, 2015.

(36) SALOMÃO, L.F.; TARTUCE, F. Direito Civil: diálogos entre a doutrina e a jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2018, 783p.

(37) FAURE, M., VISSCHER, L., WEBER, F. Liability for Unknown Risks – A Law and Economics Perspective. JETL, v. 7, n. 2, p. 198-228, 2016.

(38) BRAGA-NETO, F.P.; FARIAS, C.C.; ROSENVALD, N. Novo tratado de responsabilidade civil. 3ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, p.643, 2018.

(39) CLEMENTE, G.T.; ROSENVALD, N. Edição Gênica e os limites da Responsabilidade civil. In: Martins, G.M.; Rosenvald, N. (Org.). Responsabilidade Civil e Novas Tecnologias. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2020. p. 235-61.

(40) Ibid., p. 247.

(41) MOTA PINTO, P.: Direitos de Personalidade e Direitos Fundamentais – Estudos, 1ªed., Coimbra: GESTLEGAL, 2018. p. 332-341.

(42) CLEMENTE, G.T., 2020, loc. cit.39

(43) “O direito geral de personalidade pode, assim, como previsão ou “norma de recolha”, vir a abranger novas zonas de relevância da personalidade e proteger contra novas ofensas (pense-se apenas, por exemplo, nos complexos problemas hoje levantados pelas possibilidades de manipulação de material genético humano), não protegidas pelos direitos especiais. É, neste sentido, “aberto” sincrónica e diacronicamente, permitindo a tutela de novos bens, e face a renovadas ameaças, sempre tendo como referente o respeito pela personalidade, quer numa perspectiva estática quer na sua  dinâmica  de realização e desenvolvimento.” MOTA PINTO, P.: Direitos de Personalidade e Direitos Fundamentais – Estudos, 1ªed., Coimbra: GESTLEGAL, 2018. Ibid., p. 338.

(44) PEREIRA, A. G. D. Direitos dos pacientes e responsabilidade médica. 1ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, p.147, 2015.

(45) “(...) o direito geral de personalidade constitui direito-matriz ou direito-quadro no qual filiam certas manifestações particulares, os direitos especiais de personalidade. Esta concepção dinâmica e aberta à historicidade – especialmente relevante na sociedade de risco biotecnológico que vivemos”. SOUSA, R. C. O Direito Geral de Personalidade. Coimbra: Coimbra Editora, p.88, 1995.

(46) Direito Geral de Personalidade constitui “o direito de cada homem ao respeito e à promoção da globalidade dos elementos, potencialidades e expressões da sua personalidade humana bem como da unidade psico-físico-sócio-ambiental dessa mesma personalidade humana (vg. da sua dignidade humana, da sua individualidade concreta e do seu poder de autodeterminação), com a consequente obrigação por parte dos demais sujeitos de se absterem de praticar ou deixar de praticar atos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender tais bens jurídicos da personalidade alheia, sem o que incorrerão emresponsabilidade civil e/ou na sujeição às providências cíveis adequadas a evitar a consumação da ameaça ou a atenuar os efeitos da ofensa cometida.” 56 Ibid., p.88.

(47) “face ao caráter ilimitado, solidário e desconhecido dos bens integrantes da natureza humana, não parece que possa aprioristicamente fazer-se uma enumeração completa e discutível de tais bens”. Ibid., p.152.

(48) BRAGA-NETO, F.P.; FARIAS, C. C.; ROSENVALD, N. Novo tratado de responsabilidade civil. 3ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. Ibid., p.671.

(49) “O atendimento à função primordial da responsabilidade civil – a adequada reparação dos danos – passa necessariamente pela difusão do dever de indenizar, ou seja, pela distribuição da responsabilidade por toda a comunidade, com a construção de uma autêntica responsabilidade social. Assume-se a responsabilidade civil como uma técnica de administração justa dos danos anônimos ou causais, mais justo parece ser a diluição desses danos por toda a sociedade, que a sua atribuição quase aleatória ao “culpado” ou “causador” mais próximo. A diluição de danos assegura a tutela da vítima sem lançar sobre o réu um ônus exagerado. Sob essa ótica, apresenta-se a responsabilidade civil como um renovado instrumento a serviço não de pretensões individuais, mas voltado à solução dos danos como problema coletivo social. SCHREIBER, A. Novos paradigmas da responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, p.234-235, 2013.

(50) “suprime-se a necessidade do recurso à loteria da causalidade para se identificar um “pagador” e, de certa forma, suprime-se o antagonismo entre um polo ativo e outro passivo de uma demanda judicial”. BRAGA-NETO, F.P.; FARIAS, C. C.; ROSENVALD, N., op. cit., p.672.

(51) PEREIRA, P. M. F. L. Responsabilidade civil nos ensaios clínicos. Indaiatuba, são Paulo: Editora Foco, p.158, 2019.

(52) KFOURI NETO, M. Responsabilidade Civil do Médico. 10ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p.43, 2019.

(53) “De todo o modo, podemos considerar que se trata de uma experiência positiva no sentido de dar contributo jurídico para melhor prática da medicina (...) Por outro lado, a socialização de um risco tão grave e com consequências tão nefastas para a qualidade de vida da criança e das suas famílias revela-se uma opção louvável e humanista. PEREIRA, A. G. D., loc cit.44

(54) BRAGA-NETO, F.P.; FARIAS, C. C.; ROSENVALD, N. Novo tratado de responsabilidade civil. 3ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. Ibid., p.674.

Graziella Trindade Clemente

Graduada em Odontologia pela PUCMinas e em Direito pela Faculdade Milton Campos, sendo também advogada com registro na OAB/MG. Completou seu mestrado e doutorado pela UFMG em Ciências Morfológicas e Biologia Celular, respectivamente, e prosseguiu com pós-doutorado em Biodireito na Universidade de Coimbra. Atua como professora de graduação e pós-graduação, abordando tópicos como Biologia Celular, Ética, Bioética e Antropologia Médica, principalmente no Centro Universitário Newton Paiva. Além disso, coordena o Comitê de Ética e Pesquisa dessa instituição e um grupo focado em Direito da Saúde. É membro do IBERC e de um grupo de pesquisa sobre Direito da Saúde no Centro Universitário Curitiba.

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