Da possibilidade (constitucional) de usucapião sobre bens públicos

Resumo: A propriedade privada e a pública, por sua similaridade, estão submetidas aos preceitos e ditames constitucionais, apesar de uma caracterização legal levemente diversa, como a imprescritibilidade dos bens públicos. Tal diferenciação deve respeitar os demais regramentos constitucionais, pois, a ordem jurídica suprema engloba disposições várias e necessárias para que se possa extrair todo o significado de cada artigo da Constituição. Deve-se compreender que a Carta Maior resguarda apenas os bens que realmente cumpram uma destinação social e dignificadora de uma estruturação diferenciada. Resulta, assim, a possibilidade de se usucapir os bens que não tenham uma aplicabilidade verdadeiramente pública e social.

Sumário: 1. A propriedade – histórico; 2. Função social da propriedade, bem-estar público e dignidade individual; 3. Da hermenêutica constitucional; 4.Entendimento dos arts. 183, §3º e 191, parágrafo único da Constituição Federal de 1988.

“Se a linguagem fosse uma entidade destacável da realidade global da sociedade, então a interpretação poderia voltar a ser uma atividade que exonera o jurista de assumir responsabilidades sociais.”

Pietro Perlingieri

1. A propriedade – histórico.

Historicamente, verifica-se que a partir da manipulação de metais, fogo e da maior possibilidade de desenvolvimento, buscou o homem se fixar e determinar, mesmo que de modo comunitário, seu espaço de vida. Deixou sua condição de nômade (paleolítico e início do neolítico) e passou a cultivar a terra e nela se fixou.

Vê-se que a propriedade, ou seja, definido tradicionalmente como “o direito atribuído a uma pessoa sobre a coisa, corpórea ou incorpórea, de forma plena, nos limites dos preceitos de ordem pública”(1), demonstrou relativo avanço da humanidade e possibilitou um aumento no grau de interrelação dos homens. Deste modo, por toda a história, teve ela posição de grande relevo e interesse.

No Egito, a partir do séc. 30 a.C., após a união daquele com o Império Macedônio a propriedade da terra que era dos clãs (propriedade comunitária) passa a se centralizar nas mãos dos faraós, nobres e sacerdotes. A propriedade privada se transferia de três formas: “por acordo entre o vendedor e o comprador, com a entrega da coisa e pagamento do preço; por determinação judicial com inserção do nome do comprador nos livros de cadastro e, também, mediante pagamento e juramento do vendedor”(2).

Muitas vezes, a acumulação das terras só era permitida aos cidadãos que possuíssem certo status como na Síria em que os guerreiros e sacerdotes, além de outras regalias, como não pagar impostos, podiam ter sob seu domínio grandes extensões de terra.

Durante os sécs. VII a.C. e V a.C. ocorreram migrações de populações gregas a vários pontos do mediterrâneo, como resultado do crescimento da população, das brigas internas, ocasionadas principalmente, pela necessidade de novas terras agrárias. Compreendiam-se três tipos de propriedade: “a indivisão, a individual e a familiar, sendo que no primeiro caso todos trabalhavam e dividiam apenas o seu produto; na segunda o proprietário dispunha livremente de sua propriedade; e a familiar correspondia, hoje, grosso modo, ao ‘bem de família’”(3).

Apesar de se não encontrar nos escritos romanos uma definição bem trabalhada de propriedade, pois, seus jurisconsultos mais se ocuparam com seus elementos do que com sua conceituação, tinha-se por seu conteúdo uma parêmia: Dominiu est ius utendi et abutendi, quatemus iuris ratio patitur (4). Roma, a grande cidade, tinha suas polis formadas por proprietários de terra, os pater familiae. “Aparentemente individual, a propriedade, pelo menos em certa medida, era, na verdade, familiar ou comunitária”(5).

Entre os sécs. I a.C. e III d.C., na China, introduzem-se novas técnicas e construções, entre elas, infelizmente, a propriedade passa de um sistema comunal para a posse territorial da nobreza, os camponeses tornam-se servos pagando obrigações aos seus senhorios pelo uso da terra.

Uma das principais características (senão a principal) do Feudalismo era a estreita vinculação da autoridade à posse da terra. A nobreza e o clero centralizavam em suas mãos o domínio territorial, exigindo o pagamento do censo por parte dos seus servos pelo uso da terra. Conforme Leo Hüberman, três eram os caracteres desse regime: “primeiro, a terra arável era dividida em duas partes, uma pertencente ao senhor e cultivada apenas para ele, enquanto a outra era dividida entre inúmeros arrendatários; segundo, a terra era cultivada não em campos contínuos, tal como hoje, mas pelo sistema de faixas espalhadas. Havia uma terceira característica marcante – o fato de que os arrendatários trabalhavam também na propriedade do senhor”(6). Tínhamos domínios superpostos: “o domínio eminente do soberano, pairando acima do domínio útil do senhor feudal. Ainda hoje, na enfiteuse, encontra-se uma forma de sobrevivência do dualismo dominical do medievalismo”(7).

Já em nosso tempo, uma legião de excluídos vêem-se degredados do direito de se estabelecer como proprietários de terra, vivendo à margem da sociedade. Assim era na África do Sul, onde o regime do Apartheid proibia entre outras coisas o acesso dos negros à propriedade e assim é, ainda hoje, no Brasil frente ao aglomerado de sem-terras que lutam pela possibilidade de, um dia, cultivar um pedaço de terra.

Nota-se, portanto, que a distribuição e regime de propriedade da terra sempre estiveram estritamente vinculados ao papel do Estado, sendo este responsável pelo controle e pela melhor utilização do território, possibilitando ou um maior bem-estar social ou uma maior marginalização dos indivíduos, tudo dependendo do caminho que se deseja trilhar.

2. Função social da propriedade, bem-estar público e dignidade individual.

Todos temos o direito de viver, não apenas viver de per si, mas sim ter uma vida plena e caracterizada pela dignidade e o bem-estar, pois, “viver não é senão um plebiscito valorativo de todos os dias, visando à realização sempre mais perfeita dos fins encarnados em nossa irrenunciável individualidade”(8). Temos o direito à existência, a lutar pela vida; a permanecermos vivos. Temos, enfim, direito à existência digna, ao viver em condições honrosas. E este direito é fonte de todos os demais bens jurídicos, supedâneo de toda a sociedade, pois o homem não pode ser um caminho, mas sim um objetivo, um “fim em si mesmo”; tendo por amparo maior de sua existência o devido transcorrer de seu viver, pleno de harmonia e dignidade.

Em assim sendo, não se pode caracterizar como justa uma sociedade, fruto da união de homens em prol de melhores condições de sobrevivência, em que não se garanta e se possibilite ao indivíduo alcançar o seu bem-viver, a ter condições de se desenvolver como alguém produtivo, como um fator de relevo para todo o aparato social e não lhe relegar à marginalidade, a uma vida subumana, pois, “a idéia de justiça se correlaciona essencialmente com a de pessoa, vista esta não como um valor absoluto e incondicionado, mas como o valor-fonte de referência revelado no processo histórico-social, onde se alça à categoria transcendental de invariante axiológica, da qual a Justiça resulta de maneira imediata”(9). E nossa Constituição, em seu art. 1º, III, estabelece como fundamento de nosso Estado a busca pela dignidade humana, reconhecendo, deste modo, a extrema necessidade de se ter, nos planos estatal e social, indivíduos dignos e honrados, seres ativos e capazes de se determinar enquanto objetividade real e construtiva, homens firmes e constantes em seu papel, necessários à construção de um país. Por tal fato é que se não deve aceitar a idéia de bem comum como um meio absoluto e supremo frente ao valor individual, dando-se àquele a capacidade de suprimir a relevância do indivíduo ou interpretando o bem comum como sendo o objetivo de qualquer ato vinculado ao ente estatal, dado que os entes públicos podem apresentar setores desvirtuados que não respeitam ou buscam, constantemente, o bem-estar geral, assim, “a noção de bem comum é relativa. O equívoco dos que dissociam a idéia de bem comum da idéia de justiça, está em considerar em aquela uma ‘totalidade’ e nesta uma proporção . Entendemos que ambas as noções são relativas. Conceber o bem comum como uma totalidade, seria anular as tendências e os atributos individuais, negar os inevitáveis conflitos que existam na sociedade, destruir os valores do indivíduo em relação aos da comunidade”(10) e, como vimos, a idéia de justiça está atrelada ao de pessoa determinando que o bem comum deva ter por supedâneo o respeito à configuração individual dos sujeitos.

Como uma das partes do Contrato Social deve o Ente Estatal cumprir sua função na avença e, como soberano atual, possibilitar o bem-estar e a dignidade dos súditos, soberanos potenciais, pois sua figura está centrada na especificação e expansão das possibilidades dos seres humanos, cessionários de direitos e deveres para o Estado e, como tais, dignos de, frente a este, contestar suas garantias.

Por tudo isso, em nossa Constituição Federal, a propriedade recebe características especiais, tendo contornos de relevância pública. Tem o mesma papel crucial, devendo o proprietário ou possuidor (entenda-se por este não apenas o cidadão comum como também as pessoas jurídicas e o Estado) utilizá-la de modo que atenda à sua função social, ou seja, a utilização da propriedade far-se-á de modo a proporcionar bem-estar aos sociais, sendo fruto de construção e dignidade do homem. De modo que “o pressuposto de confiança recíproca e boa-fé encontra correspondência na função social, implícita no direito de propriedade, no sentido de consideração à solidariedade social, compreendendo os direitos do proprietário e os deveres que lhe são impostos pela política legislativa”(11). Em assim sendo, a conceituação de propriedade não mais perfaz-se como fator absoluto, mas sim, como explana Ruggiero ao comentar o direito italiano, “aquele absolutismo das faculdades de gozo e de disposição, que o nosso legislador elevou a caráter fundamental na definição de propriedade, deve pois ser entendido não na sua mais ampla e hiperbólica extensão, mas com limitações racionais, que o próprio conceito moderno de propriedade impõe”(12).

Tal função social está vinculada aos preceitos da Ordem Econômica Constitucional (art. 170 caput, II e III) uma vez que tem esta o fim de assegurar a todos existência digna, conforme ditames da Justiça Social. Assim, “sobre toda propriedade particular pesa uma hipoteca social”(13) e a propriedade pública só goza deste status se estiver estritamente vinculada à sua utilidade social. Compreende-se tal vinculação em razão de que o “grau de complexidade hoje alcançado pelo instituto da propriedade deriva, indisfarçavelmente, do grau de complexidade das relações sociais”(14). Na atualidade, o trabalho, a utilização, o aproveitamento comedido e socializado da propriedade não mais é apenas modo de sua aquisição, mas sim, meio de legitimação e validação da propriedade, assim, “todo homem tem direito a ser proprietário da terra, mais em razão de seu trabalho do que em consideração de um título”(15) (grifo nosso). Esta conformação que nasce da limitação social e necessária da propriedade, tem por lindes o respeito aos três direitos básicos que, na atualidade, determina a doutrina na relação Estado-indivíduo, qual sejam: o direito-autonomia (o respeito por parte do Ente Público às variáveis básicas do desenvolvimento individual dos cidadãos), direito-participação (dando ao indivíduo possibilidade de intervir no desenrolar das atividades públicas como senhor e fiscal da coisa comum) e direito-prestação (com base nas liberdades positivas, instituindo a obrigação de o agir estatal ter como objetivo o máximo desenvolvimento dos sujeitos submetidos à ordem soberana). Assim, as limitações impostas à propriedade determinam os ideais de sociabilidade e funcionalidade dos bens particulares e públicos, por traçar as metas de configuração do próprio direito de propriedade. O que nos faz notar que a propriedade se caracteriza, na atualidade, não mais pelo seu liame de titularidade, mas sim por sua destinação.

Há que se diferenciar a função social que deve ter a propriedade (que compõe e se agrega ao próprio direito) do sistema de limitação da propriedade, pois este ataca o exercício do direito, enquanto aquele, ao contrário, “se manifesta na própria configuração do direito de propriedade, pondo-se concretamente como elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, gozo e utilização dos bens”(16). A função social, desta maneira, determina a configuração do direito de propriedade, estabelecendo os lindes do instituto, definindo a sua escorreita caracterização e as falhas de sua estruturação. Uma tal estrutura funcional tem seu anteparo na busca da justiça social, que nos remete à definição de bem comum, pois, em última análise, são estas “expressões sinônimas, significando tanto intersubjetividade como intercomunicabilidade, sendo esta a nota que emerge da experiência jurídica contemporânea, de tal modo que uma sociedade será tanto mais justa quanto mais os homens se comunicarem entre si, não apenas por palavras, mas também, por ação, o que envolve crescente participação de todos nos bens da vida que são o resultado do esforço coletivo da espécie humana em sua incessante faina cultural”(17). Em assim sendo, o bem comum não se pode realizar se o homem não puder alcançar sua realidade social por vias de participação construtiva e a partir do desenvolvimento dos mesmos enquanto fatores histórico-sociais, com a carga valorativa que lhes é premente e dentro do arcabouço jurídico garantido na Lex Legum de um povo.

Portanto, deve a propriedade, antes de estabelecer título, status ou poder, caracterizar-se como instrumento da felicidade e bem-estar social, alcançando, deste modo, seu lugar no alpendre constitucional. Determinando-se como fator de realizabilidade e racionalidade de uma coletividade, ficando seu relevo e utilidade social como parâmetros de caracterização e especificação dos direitos e garantias que a venham cercear, tanto no âmbito constitucional quanto no infraconstitucional.

3. Da hermenêutica constitucional.

Para se compreender de modo claro e sensato o conteúdo e a validação dogmática a ser abordada no próximo tópico, deve-se depreender o modus operandi do sistema hermenêutico constitucional, com vistas a se interrelacionar seus diversos cânones e, com supedâneo em mais balizada doutrina, extrair o significado dos artigos que concernem a esta explanação.

Antes de mais nada, deve-se diferençar a interpretação da construção, pois “a interpretação(18) atém-se ao texto, como a velha exegese; enquanto que a construção vai além, examina as normas jurídicas em seu conjunto e em relação à ciência e, do acordo geral deduz uma obra sistemática, um todo orgânico; uma estuda propriamente a lei, a outra conserva como principal objetivo descobrir e revelar o Direito; aquele presta atenção às palavras e no sentido respectivo, esta ao alcance do texto; a primeira decompõe, a segunda recompõe, compreende, constrói”(19). E tal construção é que será almejada neste estudo, como meio de possibilitar o pleno perfazer dos ideais de dignidade e bem-viver, afixados na Lex Legum.

No início de todo processo hermenêutico, devemos perfilhar alguns caminhos paralelos mas que são de fundamental precisão para se prosseguir em frente. “A base de toda exegese é um texto que se precisa compreender, e a fixação da existência e da força obrigatória do mesmo chama-se crítica”(20), “esta é sempre útil e, às vezes, indispensável como preliminar da hermenêutica, suposto da aplicação geral do Direito; precede a interpretação”(21). Toda esta construção de fundamento visional crítico da Constituição dará possibilidade de se integrar os preceitos garantistas e as normas gerais previstas na mesma, uma vez que a Carta Magna estrutura-se como um sistema jurídico e, “por sistema jurídico entende-se a percepção do conjunto das fontes dentro de um esquema conceptual que, por um lado, represente o sentido profundo de cada norma através de suas conexões com outra e das conexões destas com os princípios; por outro, que exprima a unidade entre a construção jurídica e a sua aplicabilidade social, através da radicação do direito na cultura entendida em sentido amplo”(22). Neste âmbito é que se deverá encaixar e determinar o significado das disposições constitucionais, prestando-se a determinar-lhe o alcance e desejo.

A hermenêutica constitucional, passa por certos crivos, que são de extremo relevo para a nossa análise, sendo um deles o político, pois, “o Direito Constitucional apoia-se no elemento político, essencialmente instável, a esta particularidade atende, com especial e constante cuidado, o exegeta. Naquele departamento da ciência de Papiniano preponderam os valores jurídico-sociais. Devem as instituições ser atendidas e postas em função de modo que correspondam às necessidades políticas, às tendências gerais da nacionalidade, à coordenação de anelos elevados e justas aspirações do povo”(23), tendo por base a segurança jurídica, “a ordem, enquanto forma, circunda as vidas (ou os ‘papéis’) dos homens; enquanto prescrição, desdobra-se em comandos, que se exprimem como regras (ou normas) que enlaçam ou assentiam as condutas deles - embora sob outro aspecto as situem e as protejam. Estar dentro de uma ordem é estar situado e seguro”(24) . Um segundo elemento é o histórico, pois a técnica legislativa busca alcançar situações que ainda se hão de fazer presentes no meio social; “o código fundamental tanto prevê no presente como prepara para o futuro. Por isso, ao invés de se ater a uma técnica interpretativa exigente e estreita, procura-se atingir um sentido que torna efetivos e eficientes os grandes princípios do governo, e não o que os contrarie ou reduza à inocuidade”(25). Terceiro, sistematicidade, pois, “a interpretação, dirigida para o concreto é correlata da aplicabilidade de uns tantos preceitos, pressupõe assim a existência de alguma ordem”(26) e, desta estrutura sistêmica resulta que, “toda interpretação, se se trata de estruturas sociais e de sua aplicação, tem a ver com princípios. Mas é preciso que estes princípios se articulem dentro de uma ordem, e estejam nela como significações para que o trabalho interpretativo seja requerido com o fim de ‘desentranhar’ significações e de remontar aos princípios”(27). Estas várias facetas do trabalho hermenêutico têm por fulcro a própria variabilidade da função interpretativa, possibilitando uma construção digna e justa a luz dos mais distintos cânones, pois, “um estudo puramente formal do direito concentrado em relações de semelhanças puramente lógicas entre normas, institutos ou situações subjetivas (na deliberada exclusão de qualquer relevância de sua função) não constitui um mérito da investigação do jurista”(28), tendo-se por necessária a busca intelectiva de todo os aspectos supramencionados.

A Constituição é a lei suprema de nosso ordenamento, e como tal resguarda íncito certo status que apesar de não a afastar em sua gênese das demais leis, “por ser a Constituição também uma lei, que tem apenas mais força do que as outras às quais sobreleva em caso de conflito, contribuem para a inteligência da mesma os processos e regras de hermenêutica expostos comumente para o Direito Privado: o elemento filológico, o histórico, o teleológico, os fatores sociais, etc”(29), impossibilita decisões contra a Lex Legum, uma vez que, “não se resolve contra a letra expressa da Constituição, baseado no elemento histórico ou no chamado Direito Natural. Cumpre-se o que ressalta dos termos da norma suprema, salvo o caso de forte presunção em contrário: às vezes o próprio contexto oferece fundamento para restringir, distender ou suplementar, determinar”(30).

Lembre-se por fim que os regramentos constitucionais alcançam toda a ordem social e jurídica, de modo a fixar sob seu pálio o conjunto de pessoas e relações de um país e, “como ato político de decisão sobre o modo de existência e organização da sociedade, também não é a Constituição nenhuma esfinge a demonstrar imperturbável imparcialidade na regência dos fatos sociais: na realidade, a Constituição quer que a sociedade, o Estado, todos e cada indivíduo tenham uma conduta específica de acordo com a situação abstrata que prevê; coloca objetivos expressos e implícitos que devem nortear toda a atuação da sociedade e do Estado”(31).

4. Entendimento dos arts. 183, §3º e 191, parágrafo único da Constituição Federal de 1988.

Quando se tem por análise um dispositivo da Carta Magna, deve-se compreender não apenas o que literalmente denota dele, mas sim todo o intuito guia do legislador (o que é diverso da mens legislatoris), ou seja, o arcabouço jurídico insculpido no cânone em análise, a partir do todo sistemático determinado na lei. Com tal procedimento, pode-se trazer para a claridade o aspecto intrínseco da norma, desvendando-lhe a estrutura e composição, podendo-se enxergar, em sua plenitude, o alcance da prescrição nela contida. Em assim sendo, devemos ter já em mente que a Lei Maior de um país não busca regular situações específicas, mas sim estabelecer os parâmetros de validação de todo um sistema jurídico. Tem ela por escopo construir normas gerais de interpretação e de compreensão dos valores e aspectos que figuram no bojo do ordenamento existente. Tem-se, deste modo que, as “interpretações literal, lógica e sistemática não são e nem podem ser fases distintas cronológica e logicamente; elas são aspectos e critérios de um processo cognitivo unitário. Seria absurdo reconhecer entre os critérios uma espécie de concorrência ou contraste, quase como se fossem configuráveis como pretendentes em luta entre eles, aspirantes a uma aplicação exclusiva”(32), sendo que, ao revés, devem perfazer-se de modo conjunto para a melhor compreensão do querer normativo.

Para possibilitar a concreção deste desiderato, as normas constitucionais são compreendidas não de per se, mas através da lente sistemática determinada por todas as suas prescrições e definições, instaurando um conjunto perfeito que almeja o bem comum, respeitando sempre o cidadão. E esta compreensão tem seu nascedouro no trabalho do interprete, pois nas leis tem-se “princípios que se ligam a sistemas, e se tem a aplicação do sistema aos casos. Todas as armações institucionais da política moderna - sempre em ligação com o Estado e com o legislativo – tiveram fundamento em alegados doutrinários e em formulações verbais específicas”(33).

A partir destes preceitos, observa-se que o art. 183, §3º e o art. 191, parágrafo único da Constituição Federal prescrevem muito mais do que literalmente expressam, dando aos imóveis públicos vacinas contra o usucapião, mas possibilitando, através da visão sistematizada dos mesmos, o alcance de tal instituto civil aos imóveis que não se enquadrarem em dita classificação.

Neste passo, buscaremos estabelecer critério diferenciador para a compreensão do caráter público de um imóvel e a possibilidade jurídica de uma tal visão.

Em primeiro momento, deve-se ter por válida a assertiva de que “os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”, tendo essa regra fundamento na relevância e necessidade de maior proteção do patrimônio público, para que não esteja a descoberto de possíveis ataques ou perdas. Ao mesmo tempo, o patrimônio privado deve ser respeitado para que o ideal da segurança jurídica não se perca em meio a nebulosa e estritamente positivista hermenêutica. Pois, mesmo na clareza da assertiva, a interpretação não deve cessar, assim, em relação às determinações normativas, “por mais claras que fossem, frisava Ulpiano, não dispensavam interpretação. Quamvis si manifestissimum edictum praetoris, attamen non est negligenda interpretatio eius (D. 25, 4, de inspiciendo ventre, 1, 11)”(34). E, ademais, deve-se buscar enquadrar a disposição constitucional nos misteres sociais, “já que toda a fonte se integra numa ordem, que a regra é modo de expressão dessa ordem global. Por isso, a interpretação de uma fonte não se faz isoladamente, atendendo por exemplo a um texto como se fosse válido fora do tempo e do espaço. Resulta, pelo contrário, da inserção desse texto num conjunto jurídico dado”(35).

Ao propósito de tal afirmação, os bens públicos assim devem ser entendidos a partir de um supedâneo comunal, de satisfação e utilidade social, uma vez que o caráter público ou privado não está vinculado ao mero título, mas sim à real materialização de sua aplicabilidade e pública ou privada disposição. Com este pensamento, estabelecemos a existência de dois critérios para se vislumbrar a natureza de um bem: um aspecto formal (título - propriedade) e um aspecto material (utilidade - função). Disto resulta que, o mero título é capaz de determinar quem é proprietário, mas não se o imóvel em questão é público ou privado, pois, a propriedade especifica a quem cabe a titularidade do imóvel relatando aspecto extrínseco ao próprio bem (baseando-nos em uma visão Kelseniana de tal instituto, sendo este baseado em relação interpessoal, de caráter erga omnes); já a realidade intrínseca do bem, sua natureza e condição jurídica, está ligada à sua utilidade e funcionalidade comunal. O uso é que caracteriza o bem em si, sua materialidade é determinante de sua existência (e do seu modo de existir) e há uma relação entre o uso e a propriedade sendo que “el usus es la más antigua, más rudimentaria manera de tenencia de una cosa, cuya propriedad nos pertenece. El usus tiene significado amplio, que en princípio refleja exactamente la situación de quienes trabajan, cultivam y aprovechan la tierra, sin ostentam un poder jurídico exclusivo so ella”(36). Uma tal diferenciação, que busca validar a conformação do bem através de sua titularidade, pode ser detectada na brilhante definição dada por Celso Ribeiro Bastos, “in verbis”: “os bens públicos são aqueles que pertencem ao domínio das pessoas jurídicas de direito público. No entanto, nem todos esses bens estão sujeitos a um regime também de direito público. Pertencem ao domínio público sem que, contudo, se sujeitem às regras jurídicas a que estão normalmente submetidos os bens públicos na plena acepção da palavra. Estes são públicos pela destinação e não somente pela titularidade”(37). De modo a sistematizar a idéia, podemos compreender que “são bens públicos, sensu stricto, os bens que pertencem às entidades estatais (União, Estados-Membros, Distrito Federal, Territórios e Municípios), a título de direito público. Os bens de que elas têm a propriedade, a título de direito privado, não são bens públicos stricto sensu”(38).

A Constituição Federal determina em seu art. 5º, XXIII (a símile do art. 42, 2 da Carta Constitucional Italiana e do art. 62. 2, “c”, da Constituição Portuguesa), que a propriedade atenderá a sua função social e em seu art. 170, III, traz como um dos princípios que regem a ordem econômica o da função social da propriedade. Assim, não só a propriedade privada deve atender à sua função social como também e, a fortiori, a pública tem como requisito de sua existência a sua utilidade e reversão benéfica a toda a sociedade, sendo esta capacidade de satisfação dos interesses coletivos marco da determinabilidade dogmática do bem público. O Estado, a partir do momento em que se encampa no mundo social, deve se submeter às diretivas estabelecidas pelos cidadãos para todas as suas ações, não podendo angariar poderes abusivos e absurdos, pois esses descaracterizariam o ente estatal como figura propícia a alcançar a felicidade coletiva.

O bem público não nasceria do simples título, tendo, ao contrário, sua gênese no aspecto de relevância e utilidade social que possa vir a demonstrar.

Por tal entendimento, a proteção constitucional não se teria por eficaz quando de um bem que, apesar de titularmente estar vinculado a um ente político, não cumpra tal bem sua função social e esteja sob a posse de sujeito particular por período capaz de determinar a existência do usucapião, pois, a Lex Legum não tem por fulcro estabelecer a absoluta superioridade do Estado, mas sim a plena igualdade nas relações sociais entre este e os cidadãos que lhe componham o povo. Pois, claro é que a proteção constitucional se perfaz em razão do interesse social jacente no bem, uma vez que os ditames da Carta Maior se referem aos bens em si e não ao sujeito que os detém, criando uma proteção objetiva (com supedâneo na real destinação social da coisa) e não subjetiva (por estar a coisa jungida ao patrimônio de um ente público).

Não se vislumbre em esta assertiva meio de se esvaziar de sentido as definições constitucionais, uma vez que a interpretação visa dar conteúdo a um artigo e não deitar-lhe em letra morta, pois, aos que compreendem o direito de propriedade a partir do efetivo uso de um bem, responde-se que o proprietário pode fazer valer seus direitos sobre um bem até mesmo deixando de utilizá-lo, haja visto um rurícula que mantém um campo sem plantio ou gado, para que a terra possa se recuperar após exaustivo uso. Já os bens públicos possuem em si um caráter de reserva coletiva, assim, os entes estatais podem desejar manter certos bens sem uso, mas como meio de resguardar-se economicamente, desde que manifestem para com este bem um mínimo de atenção fazendo valer seus poderes de proprietários logo que se vejam por esbulhados dos mesmos. Ao demais, existem determinados bens, v.g., as faixas fronteiriças de um país, que mesmo sem uso são públicos em razão de seu grande interesse para a coletividade, do mesmo modo os sítios arqueológicos e reservas minerais que se não podem aceitar venham a cair em mãos particulares. Esta visão traz consigo, ao invés do esvaziamento da norma, a sua adequação ao sistema constitucional, dando-lhe respaldo progressivo de vigência, aproximando a sua existência e eficácia aos ditames sociais, uma vez que a vigência, que é supedâneo da efetividade (sem com ela se confundir) “implica, necessariamente, uma referência aos valores que determinaram o aparecimento da regra jurídica, assim como às condições fáticas capazes de assegurar sua eficácia social”(39) (grifo nosso).

Assim, caracterizadas estariam as condições para que o juiz possa dar vistas e azo à pretensão de se usucapir um bem formalmente público, mas que tenha deixado de atender à sociedade por tempo considerável e já se tenha por agregado ao patrimônio de um cidadão, não lhe sendo plausível reivindicar a mera indenização pelas benfeitorias, mas sim receber por completo a titularidade da gleba na qual fincou-se e construiu toda uma vida. Resultam determinados, pois, a legitimatio ad causam (é o indivíduo possuidor, a tempos, de um bem, sendo o sujeito passivo o ente público desidioso em sua função de resguardo dos bens e interesses gerais, perfazendo-se, assim, a plena pertinência ativa e passiva da ação), o interesse de agir (não pode proceder por força própria, sendo a ação, conforme Pontes de Miranda “declaratória, em que demandados são quaisquer interessados e os confinantes”(40) e adequada a determinar quem se deve ter por titular real e efetivo do bem, uma vez que, “trata-se de ação declaratória, com eficácia mandamental”(41), sendo um dos efeitos o registro) e a possibilidade jurídica de agir (a regra constitucional de imprescritibilidade não tem por efeito proteger os bens formalmente materiais, mas sim aqueles que materialmente atendam aos clamores da sociedade, desde que não haja um empecilho direto a tal desclassificação, como já dito, o caso das terras de fronteira)(42). Nesta linha, restringimos nosso pensamento às chamadas terras devolutas, pois, em face destas a doutrina é parcialmente concorde de sua prescritibilidade. Buscamos levar a compreensão da estruturação não-pública a todos os bens que estejam adjudicados a uma pessoa de direito público e que não se encontrem plenamente destinados a uma finalidade pública e social, nestes compreendidos toda uma gama de bens dominiais e até mesmo os bens de uso especial que estejam largados ao tempo sem que o ente que os afetou tenha mantido o serviço nele existente ou a especial destinação, seja por desafetação legal ou tácita.

Nossa compreensão não vêm a se contrapor aos preceitos da Súmula 340 do STF que determina, in verbis: “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”(grifo nosso), pois, note-se que o enunciado do Pretório Excelso veda o usucapião sobre bens públicos, mas não vem a qualificar ou a determinar o que seja um bem de tal espécime.

Com estas rápidas idéias, pretendemos contribuir para os estudos acerca do usucapião, utilizar da mais digna doutrina (já espelhada por grandes doutos, em visão similar, que restringe a aplicabilidade das citadas normas constitucionais) de caracterização dos bens conforme sua destinação e não à sua titularidade de modo a dar nova compreensão aos ditames constitucionais e estabelecer que socialmente útil seria não indenizar o cidadão pelas benfeitorias que houvesse erguido no imóvel, mas dignificar-lhe o título de proprietário de um bem que não apresenta por conteúdo utilidade social capaz de lhe determinar o caráter público. Tudo isto em prol de pessoas que, de plena boa-fé se estabelecem em terrenos e, após anos, descobrem que o mesmo pertence a um ente político, tendo que desocupar o local, deixando um pedaço de suas vidas plantado nestes lugares, sem que estes imóveis viessem a apresentar real e faticamente, relevância social.

Notas:

(1) DAIBERT, Jefferson. Direito das coisas. Enciclopédia Barsa. Enciclopédia Universal. p. 124, citado por CAMPOS, Antônio M. Teoria e Prática do Usucapião. São Paulo: Saraiva.1987.p. 43.

(2) Idem. op. cit. p.41

(3) Idem. op. cit. p. 41

(4) Neste sentido ver FACHIN, Luiz Edson. A função da posse e da propriedade contemporânea. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris.1988. p. 15.

(5) BESSONE, Darcy. Texto extraído de palestra proferida na Universidade Federal de Viçosa, em 06 de julho de 1992.

(6) História da riqueza do homem.trad.Waltensir Dutra.15.ed.ZAHAR.1979.p.14 citado por FACHIN,Luiz Edson.op. cit. p. 15.

(7) BESSONE, Darcy. Texto extraído de palestra proferida na Universidade Federal de Viçosa.

(8) REALE, Miguel. Nova fase do Direito moderno.2.ed.rev.1998.p.40.

(9) Idem.op.cit. p.40.

(10) TENÓRIO, Oscar. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro.2.ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1955.p.159.

(11) Conforme ESPÍNOLA, Eduardo. Posse, propriedade/compropriedade ou condomínio/ direitos autorais. Rio de Janeiro: Conquista. 1956.p.127 e ss, citado por FACHIN, Luiz Edson.op. cit. p. 17.

(12) RUGGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil.v.2.trad. da 6.ed. italiana por Paolo Capitanio; atualização por Paulo Roberto Benasse. Campinas: Bookseller, 1999.p.469.

(13) SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 285. No mesmo sentido, Domenico Sorace, ao concluir que o indivíduo deve ser compreendido não somente "uti singulis ou uti civis, mas sim uti socius" (Espropriazione della proprietà e mistura dell'indenizo. Milano: Dott. A. Giuffrè. 1ª parte. 1974.p.280, citado por FACHIN, Luiz Edson.op. cit. p.18.

(14) FACHIN, Luiz Edson. Op. cit. p. 18.

(15) DUQUE CONEDO, Roman J. La posesión civil y la posesión agraria. 1º Encontro Internacional de Jus-Agraristas.1981. Belém - BR, citado por FACHIN, Luiz Edson. op. cit. ps. 18-9.

(16) SILVA, José Afonso da. op. cit. p. 286.

(17) REALE, Miguel. Op.cit.p.39.

(18) "O termo interpretatio toma-se em dois sentidos: lato e restrito. Em sentido lato, significa toda atividade da jurisprudência romana e corresponde aproximativamente ao que os modernos chamam doutrina (...) Em sentido restrito, interpretatio é a determinação do sentido e alcance da lei (mens legis)" - PEIXOTO, José Carlos de Matos. Curso de Direito Romano.t.1.São Paulo: Renovar.1997.p.215.

(19) MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense. 12.ed.1992.p.40.

(20) SAVIGNI - Citado por MAXIMILIANO, op.cit.p.41.

(21) MAX GMÜR, - Citado por MAXIMILIANO, op.cit.p.41.

(22) PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil; Introdução ao Direito Civil Constitucional.3.ed.rev.ampl.Rio de Janeiro: Renovar, 1997.p.58.

(23) MAXIMILIANO, op.cit.p.305.

(24) SALDANHA, Nelson. Ordem e Hermenêutica. São Paulo: Renovar. 1992.p.243.

(25) MAXIMILIANO, op.cit.p.306.

(26) SALDANHA, op.cit.p.247.

(27) Idem, ibidem.p.257.

(28) PERLINGIERI, op.cit.p.58.

(29) MAXIMILIANO, op.cit.p.306

(30) MAXIMILIANO, op.cit.p.310.

(31) SLAIB FILHO, Nagib. Anotações à Constituição de 1988: aspectos fundamentais. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992.p.74.

(32) PERLINGIERI, op.cit.p.71.

(33) SALDANHA, op.cit.p.251.

(34) PEIXOTO, op.cit.p.216.

(35) ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito, introdução e teoria geral .São Paulo: Renovar.1.ed {8.ed.rev. Portugal}. 1994. p.323.

(36) Manuel Iglesias Cubría, Evolución historica del concepto de posesión, Universidade de Oviedo, Faculdade de Direito, 1995, p.6 e 7, citado por Luiz Edson Fachin, op.cit, p. 23-4.

(37) BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.v.7 São Paulo: Saraiva,1988.p.239.

(38) Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado.t.2.4.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1977.p.135 citado por BASTOS e MARTINS, op.cit.p.319.

(39) REALE, Miguel. Filosofia do Direito.18.ed. São Paulo: Saraiva, 1998.p.597-8.

(40) MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, t. XIII, arts. 796 a 889. Rio de Janeiro: Forense, 1976.p.367.

(41) Idem, op.cit. p.367.

(42) Por havermos explicitado a visão do mestre Pontes de Miranda ao especificar um também conteúdo mandamental, é interessante que façamos, novamente, uso de lição deste grande pensador do Direito para determinar a eficácia dos vários tipos de ações, in verbis: “Imaginai uma tela que estivesse colocada, no salão de exposição de pintura, no espaço correspondente às obras do pintor B, mas fosse de autoria do pintor A. Se alguém enuncia que o quadro foi erradamente posto naquela parte da parede, por que o autor foi A, e não B, esse observador bem informada declara a autoria de A, o que equivale a declarar que B não foi o autor. Há um é, a respeito de A, e um não-é, a respeito de B. Se A não expôs suas obras e foi B quem levou a tela, como se dela fosse o autor, o diretor da exposição pode chamar a B e dizer-lhe que tire de lá a tela: ao dano que B fez, expondo o que não era seu, o diretor da exposição faz corresponder outro dano, o dano correspondente, o con-damno, de onde vem o termo técnico “condenação”. Suponhamos que B não retira o quadro. O diretor da exposição registra o quadro como de A e, após esse ato de constituição da concorrência de A à exposição, afixa o nome de A por sobre a tela. Pode acontecer que a função de registro esteja a cargo de alguma seção do instituto a que pertence a exposição, subordinada ao diretor da exposição; então, manda ele que se proceda ao registro e à afixação. Se A já figurava como expositor, a transferência da tela, que se achava no espaço com a indicação de B, para o espaço com a indicação de A, pode ser por vontade de B, ou por ato de A, por ato do diretor. Por ato de B, houve execução voluntária. Por ato de A, houve justiça de mão própria. Por ato do diretor, houve execução forçada.” PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil, t.I, arts. 1º a 45.Rio de Janeiro: Forense, 1973.p.221

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Wagner Inácio Freitas Dias

Mestre em Direito, Doutorando em Direito, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família e do Instituto Brasileiro de Estudos das Responsabilidade Civil. É também é autor de várias obras jurídicas, palestrante, cronista e advogado militante.

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